sábado, 1 de outubro de 2011

Pensando na morte da bezerra.


Hoje morreu mais um bezerro.
Dessa vez foi na casa que estou cuidando.
A Rita disse que nessa época do ano costuma ser difícil pros bezerros, principalmente para os da idade que estou cuidando. Pois o verão é muito quente, estressante e agora com a chegada do outono e com a mudança brusca do tempo, eles ficam doentes.
Este bezerro estava demonstrando sinais de estar doente há alguns dias, não estava comendo quando eu dava comida, nem se levantava. Eu já tinha falado com o pessoal, então damos remédio.
Agora de manhã quando fui dar capim, ele tinha morrido.
Essa coisa de morrer é um negócio chato.
Sentei na frente dele por um tempo e fiquei olhando.
Pensei: "esse bezerro morto na minha frente e o bezerro morto que estou olhando é a mesma coisa?"
A minha intenção era tentar olhar para minha forma de olhar a morte.
Pensei que olhar para morte do bezerro seria mais simples que olhar pra morte de uma pessoa que amo, ou mesmo para minha própria morte.
Eita negocio difícil.
Olhar para morte, só ela.
Ou o bezerro morto só ele.
Então veio muitas coisas na minha cabeça.
Normalmente nós começamos a lidar com morte quando alguém próximo morre. No meu caso, a primeira morte próxima de mim que lembro foi do meu avô Chico.
Eu tinha 6 anos na época e não entendi o que estava acontecendo, vi que todo mundo na minha família ficou triste. Tinha gente chorando. Eu me lembro do Michel (um amigo de infância que morava nos fundos da casa dos meus avós) vir me perguntar se eu estava triste por que meu avó tinha morrido. Lembro-me de não estar triste, mas achei que deveria dizer que estava, pois todos estavam logo eu também deveria estar. Se choravam era porque gostavam do meu vô então deveria mostrar que eu gostava dele também. Mas pra ser sincero não lembro se eu gostava do meu avô quando tinha 6 anos. Eu era pequeno. Hoje eu gosto do meu avô pelas lembranças que me contaram sobre ele, sobre a relação neto e avô que minha avó contava e também que minha mãe contou. Mas eu mesmo tenho poucas lembranças dele vivo. Lembro dele no sofá da sala e na cama já muito doente. 
Eu lembro que ganhei de "herança ou lembrança" o sino que ele tocava pra chamar minha avó. Eu ficava brincando com o sino dele.
Era azul.
Depois do meu avô vieram tios meus. Se eu for olhar só para os exemplos da família do lado da minha mãe.
Eu já tinha idade pra entender o que estava acontecendo.

Não fui ao enterro do meu tio Persílio, pois minha mãe achou melhor não ir. (acho)
Lembro que foi uma manhã fria e chuvosa e a gente morava perto do cemitério.
Eu me lembro de não ir à escola e ficar na cama quentinho assistindo TV Colosso.
O tio Jairo eu não fui por que era adolescente e me revoltei com essa coisa de morte.
“ele não está lá!”
“não tem sentido nenhum fazer velório!”
“não vou ver!”
Acho que falei esse tipo de coisa pra minha mãe sem me ligar que se tratava do irmão dela.
Como o tio Jairo não era muito próximo de mim, não sabia como era pra minha mãe. Quis entender as coisas só pelo meu ponto de vista.
Depois foi o tio Joaquim. Também não fui vê-lo.
Ano passado foi meu Tio Mário. Foi diferente, mais próximo e eu mais velho também... Minha tia e minhas primas... Eita! Minha mãe estava super acompanhando...Eita!
Esse ano minha vó linda!
Eita nois!
É como se ela estivesse me ensinando sobre a morte devagarzinho.
Muitos anos doentinha.
Alzheimer.
Pouco a pouco esquecendo quem era a gente, esquecendo a falar... Dois anos na cama. Devagarzinho ela me ensinou a ir deixando ela ir pouco a pouco. Como se ela fosse dizendo bem devagar, “estou indo Ângelo”...
Depois sem ela dizer mais nada eu comecei a aceitar ela do jeito que ela estava.
Toda vez que ia visitá-la eu dava a mão pra ela segurar e ela segurava, eu olhava nos olhos dela e ela olhava de volta. Como se ela me ensinasse a estar com ela assim. Não sei se ela me reconhecia (provavelmente não), mas isso não significa gente não estava junto. 
Tudo isso foi me ajudando a olhar para minha vida.
Como eu quero viver?
Que vida quero ter?

Isso foi umas das coisas que me fizeram decidir vir pro Japão.
Antes de vir fui me despedir de minha vó.
Era de fato a ultima vez que eu ia vê-la.
Ela me ensinou até isso.
A me despedir.
Eu disse que estava tudo bem.
Disse que estava vindo pro Japão e que ia ficar 5 meses fora.
Disse que estava tudo bem.
Que ela podia ficar tranqüila e relaxar.
Disse que eu a amava muito.
Então toquei viola pra ela, beijei ela no rosto muito longamente (como sempre fazia deste criança), pedi a “bença” e fui embora.
Dois dias depois ela também foi.
Não fiquei triste desta vez.
Desta vez eu pude estar com minha mãe.
Fui ao velório e fiz tudo que podia fazer. Que era nada. Só estar junto.

Eu não sei nada sobre a morte só ela.
Fiquei olhando o bezerro e não vi a “morte”.
Vi um animal sem vida.
A “morte” é como um personagem sem rosto que nós criamos.
Sei que é um fato que um dia não estarei mais vivo.
Mas a “morte” não sei o que é.
Como será?
Pensar nisso me dá Vontade de viver uma vida feliz.
Me dá vontade de estar aqui e agora.

3 comentários:

  1. São muito emocionantes as suas reflexões aqui no blog, Miguel. Fiquei emocionada. Um abraço e continue a viver cada momento.

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  2. É isso aí Miguel !
    Olhar a morte por sí só, sinto que é como olhar uma outra coisa qualquer, num processo em movimento... onde vamos aprendendo a morrer a cada momento em vida, apenas na vibração da eterna presença !

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  3. Caro amigo Angelo, o texto que vc escreveu tem tudo a ver com a minha vida, a minha infancia, minha lembraçadas... passei por todos os momentos e da sua familia durante os quinze ano que ficamos juntos. senti muitas alegrias, muitas tristezas, mas fiz amigos que até hoje tenho, com certeza eu fiz uma familia de amigos. Gataria de honrar seu carater e o carater de seu primo Thiago. Um abraço para vcs.

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