Outro dia estava eu lá com as
vaquinhas. Fui espalhar as serragens para cobrir as partes molhadas e as
merdas. É justamente fazendo isso que os bezerros ficam mais agitados, dão
cabeçadas, correm, encaram e quando menos se espera vem um focinho curioso fuçando
no toba alheio.
Já estava tentando entender
porque eles ficam tão agitados nesta hora a algum tempo.
Mas sem sucesso algum continuei
tomando focinhadas no toba.
Então alguns dias atrás comecei
a prestar mais atenção em algumas coisas.
Eles são muito sensíveis ao meu
estado, então olhei pra mim e perguntei de boa, como eu to hoje? Percebi que
apesar de me sentir bem e achar que estava tudo certo, na hora que eu estava
jogando as serragens eu ficava muito preocupado em olhar pro chão e ver onde
precisava de serragem nova, como não queria tomar focinhada no rabo, tentava
passar despercebido ignorando os bezerros. Isso nunca funcionou. Passei a olhar
pra eles, prestar atenção neles. Percebi uma leve mudança só com isso, mas
ainda sim eles continuavam agitados, e acabou virando uma brincadeira de
“congela”, “to te olho em você”, “sai de trás”...
No outro dia continuei
pensando, “porque será que eles ficam tão agitados?”
E mesmo achando que está tudo
bem comigo (hoje to de boa), percebi que na verdade não gosto muito de fazer
esse “trabalho”, tem que ficar entrando e saindo do quarto pra buscar serragem
e é um saco! Percebi que enquanto estou fazendo isso já estou pensando em
quantos quartos faltam pra fazer, e quando procuro não pensar nisso e focar só
no quarto que estou fazendo e fazer sem pressa, percebo que pelo menos estou
pensando na pazada seguinte.
Então peguei uma caixa maior,
enchi de serragem e deixei perto da entrada do quarto. Experimentei fazer
desse jeito. Percebi que assim eu acalmava a ansiedade dentro de mim de ficar
pensando em terminar logo, e então fui me acalmando de verdade, deixei minha
respiração ficar mais lenta, meus movimentos lentos, e na minha intenção quis
fazer bem feito pros bezerros, levando o tempo que fosse necessário.
Ai eu comecei a curtir estar lá
fazendo isso. Prestei atenção neles, procurava encontrar o melhor caminho pra
caminhar entre eles. Antes eu tinha esquematizado uma ordem; entro por aqui,
jogo ali, ando por este sentido, jogo do fundo e vou vindo pra frente,
etc...e se um bezerro estivesse no caminho, ia pedindo licença, ou dando um
empurrão mesmo, pois eu queria ir por ali. Desta vez quis ficar mais aberto e
prestar atenção no que acontece em cada momento e tentar descobrir um jeito de
fazer na hora que a necessidade vem. Se um bezerro está no caminho, vou jogar
serragem em outra parte, ou contorno ele, mas na hora que precisa jogar ali,
ele pode sair também, não precisa ser nenhum escândalo.
Justamente neste dia eu tinha
que fazer dois galpões a mais do que geralmente faço, bem nos galpões mais
difíceis. Conforme fui fazendo assim, prestando atenção neles, em mim e
ir descobrindo momento a momento como fazer, percebi que nenhum bezerro tinha
se aproximado muito de mim, eles viam que eu estava ali e me deixavam caminhar
entre eles sem muita agitação, e a melhor parte é que não tinha tomando nenhuma
focinhada no toba.
Ai eu comecei a me
entusiasmar! E pensar que ainda faltavam dois galpões pra fazer...”será
que vou conseguir fazer tudo sem tomar focinhada?”
Mas logo que pensei isso
percebi que seu fosse dar corda pra esse pensamento eu ia me desviar do que
estava fazendo e tudo iria por água abaixo, quis me manter atento,
concentrado...ai num quarto veio um bezerro que começou a querer chegar mais perto,
começou me encarar, dar cabeçada...”não filho da puta, hoje tenho que ficar
na focinhada zero” então
outro movimento começou dentro de mim, comecei a ficar com raiva do abestado.
Então pensei “espera um
pouco Miguel, qual o sentido disso tudo?”...”você tá fazendo tudo isso pra se
sentir controlando?” porra mano é só uma focinhada no toba! É chato, mas não é
o fim do mundo, é natural o bezerro querer dar cabeçada...percebi que na
verdade eu comecei a pensar que queria encontrar a forma de entrar no quarto
dos bezerros sem agitá-los, queria ser especial o suficiente pra conseguir
fazer isso, e depois contar pra alguém..ou colocar no blog. Então lá estava eu
começando a fixar uma ideia novamente, começando a esquematizar
novamente.
Então continuei prestando
atenção nas coisas, mas desencanei de chegar ao resultado “toba zero”. Se
quiser dar cabeçada fazer o que? Tudo bem ué.
E fui fazendo assim...
Nos últimos quartos esse
pensamento voltou, pois sem me preocupar estava de fato conseguindo me manter
na “focinhada zero”, e estava muito gostoso, pois eles ficavam, na maioria das
vezes, deitadinhos e não ligava muito pra mim. E eu estava com sentimento bem
calmo e curtindo cada quarto, cada relaçãozinha que se estabelecia com cada
vaquinha...não queria perder isso...ai lembrei dessa coisa de comemorar nossos
feitos.
Isso acontece comigo quando,
por exemplo, estou aprendendo a tocar uma musica. Eu Ralo, ralo, ralo pra
entender as notas e tal...quando finalmente consigo tocar, fico tão feliz que
minha atenção se desvia e na vez seguinte não consigo tocar direito.
No teatro e nos jogos de
coordenação em grupo, isso também é bem freqüente, e acontece com todo mundo.
Exatamente na hora que a gente percebe que está conseguindo manter o jogo
coordenado é justamente a hora que exige mais atenção, pois o entusiasmo é
sempre tão forte, natural e gostoso que na hora que a gente dá bola pra ele um
segundinho a mais...erra o tempo..a bolinha cai, bate o bastão no pé..cai na
risada!
Igual esse goleiro que comemora
antes da hora.
A mente se dá por satisfeita, vai pra outro lugar que não é o momento presente.
Sei lá!
Então veio um entendimento bem interno do que é o equilíbrio.
Não foi intelectualmente, não foi de estudar e tal...
Foi quase sem querer, de observar a vida mesmo.
O equilíbrio em todos os sentidos.
Pra não cair, não desviar, não deixar de olhar, pra não ficar muito triste.
Que equilíbrio é esse? Equilíbrio de todo dia.
Epílogo
Mas tudo isso é como eu vejo e construo o sentido pra mim mesmo.
É como eu investigo a mim mesmo.
Na verdade como foi?
Agora na hora de escrever tudo fica mais distante de como foi a experiência. É meu pensamento analisando e construindo uma dramaturgia.
A Momoko me disse uma imagem bonita e fiquei pensando nela:
De que nós humanos, assim como as vaquinhas e tudo mais, somos como galhos de uma mesma árvore balançando no vento.
Então quando um bezerro vem e me dá cabeçada é como um galho dessa árvore que se moveu com o vento.
É da natureza dele fazer isso.
A maneira como a gente sente isso, interpreta etc...é o pensamento humano. Que também faz parte da natureza de ser humano.
Mas é só o pensamento.
É da natureza dele fazer isso.
A maneira como a gente sente isso, interpreta etc...é o pensamento humano. Que também faz parte da natureza de ser humano.
Mas é só o pensamento.
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