Chegamos.
A primeira impressão é como se todo esse tempo viajando não fosse mais do
que um fim de semana.
Voltei. Pronto. Cheguei.
Sofri uns pequenos choques culturais: agora entendo o que as pessoas falam
na rua, o transito é mais caótico. Olho para minha cidade, pra minha rua, pra
minha casa com olhos novos, mas eles continuam familiares.
Acordei no meio da noite e não reconheci meu quarto por alguns segundos...No
escuro estranhei tudo. Procurei algo que me localiza-se. Demorou um tempo. Onde
estou mesmo? Então vi o mural de fotos...Estou no meu quarto!
Encontrei meus pais e alguns amigos, parece que foi ontem que sai de casa
pra ir pro aeroporto. Foi realmente muito rápido.
Mas quando uso minha memória e busco nas lembranças tudo que vivi nestes
meses viajando, parece que foi toda uma vida.
No avião assisti o filme do Senna.
Uma parte especifica me pegou.
Uma entrevista em que ele falava que estava começando a pensar no Airton Senna
pessoa, não somente no Senna piloto. Uma vez que ele achava que teria somente
alguns anos correndo em comparação com os anos de vida pela frente. Ele disse
que talvez estivesse na metade da vida, que ainda não se sentia realizado, que
tinha muita coisa pela frente, muito que aprender, muito pra ser feito...
Se não me engano essa entrevista foi feita no ano que ele morreu.
Nessa viagem toda pensei muito na vida e na morte. Procurei também não ficar
só pensando e olhar a vida enquanto ela acontece. Olhar mesmo.
No avião tive a impressão que eu podia morrer a qualquer momento. Então
percebi como a vida é irritantemente efêmera. Se foi como uma vida esses últimos
5 meses, agora chegou ao fim.
Aqui no Brasil não consigo contar pra pessoas como foi no Japão.
O Japão está comigo e ao mesmo tempo ficou pra trás.
Nada de concreto eu consigo segurar nas minhas mãos e nenhum momento é possível
ser vivido novamente.
Se minha vida estivesse acabando exatamente agora, nada do que vivi vai
permanecer comigo. Mas tudo que vivi vai estar comigo na pessoa que sou neste
exato momento.
E a pessoa que sou neste exato momento aceita morrer com felicidade?
Bom essa pessoa está feliz de estar vivo, do avião não ter caido e de estar em casa se sentindo bem vindo.
Sempre antes de viajar, toda vez mesmo, penso na
possibilidade de morrer.
Mas de boa, sem colocar peso mórbido. Vem-me o seguinte
pensamento: e se o avião cair?
Acho que deve ser normal. Acredito que isso passa na cabeça
de muitas pessoas. Não é a toa que existem muitos amuletos de bom regresso e
tradições em cima disso.
Aqui no Japão mesmo ganhei um da Haruna, que ela comprou
perto do templo dourado.
Ganhei também um origami do Tetsuya em forma de barco,
dentro ele escreveu uma carta explicando a expressão japonesa GOKIGENNYO usada
pelos marinheiros (ele já viajou o mundo trabalhando num navio) essa expressão, segundo ele, não quer dizer adeus. É mais o desejo de uma viagem segura ao seu destino. E de
retorno. Ou somente um olá!
Quando estou iniciando uma viagem e esse pensamento de “e se
o avião cair” vem, peço para que se tiver que acontecer que aconteça na volta
pelo menos, depois da viagem! Mas agora que estou pra voltar peço pra que?
Peço para que os amuletos funcionem!
Acho engraçado esse pensamento sempre vir antes de viajar,
já que a possibilidade de morrer sempre existe todos os dias.
Existem muitas formas idiotas de morrer.
E só dar uma olhada no “Prêmio Darwin”.
Do Wikipédia: Prêmios
Darwin são honras atribuídas de uma forma irônica, cujo nome provém de Charles
Darwin, o criador da teoria da evolução[1]. Estes prêmios são atribuídos de
forma simbólica àqueles que cometeram erros altamente absurdos ou se
descuidaram idioticamente, pondo fim à própria vida ou causando a sua
esterilização[1]. Estes prêmios baseiam-se no pressuposto de que estes
indivíduos, ao se autodestruírem, contribuem para a melhoria do pool genético
humano ao eliminarem os seus "maus" genes[1].
“Tem gente que pensa que é uma boa idéia acender um isqueiro
para iluminar um tanque de gasolina, ou existe aquele ladrão que rouba a fiação
elétrica sem desligar a corrente ou ainda o terrorista distraído que abre a
carta-bomba que o correio lhe devolveu, por ter selos a menos!
Sempre tive medo de morrer, pois amo viver, pois tenho medo
de não existir mais, medo de perder a consciência de mim mesmo. De não ser mais
eu.
Então minha forma de aceitar foi procurar alguma explicação
para o desconhecido. Se eu pudesse saber o que vai acontecer depois então eu
poderia aceitar racionalmente o fato de que vou morrer um dia. Como qualquer
pessoa que gosta de manter o controle.
Fui então dar uma olhada num monte de coisas...
A merda é que mesmo fazendo sentido um monte de crenças, até
hoje eu não sei se acredito nelas.
Pois toda crença precisa, ao meu modo de ver, passar por uma
linha que divide o olhar objetivo para a imaginação.
Como o nome mesmo diz, é uma crença.
Não estou negando nenhuma crença para o desconhecido.
Mesmo que tenha gente dizendo que conhece muito bem o
desconhecido. Essa pessoa conhece porque ela acredita em um sistema de crenças.
Mas não somos todos assim?
Não quero entrar nas questões de ciência x religião, crentes
x descrentes. Ao meu modo de entender acho que nós todos acreditamos em alguma
coisa. Eu acredito que estou aqui e
agora, acredito no amor, acredito que sou filho da Marilza e do Miguel.
Acredito também num futuro bom pra mim. Mas não tem como ter certeza, somente
acredito nisso. Isso pode ser chamado de fé? De esperança?
Pode ser que para entender o desconhecido é preciso usar a
imaginação, talvez seja um canal que une os dois lados.
Mas se for como distinguir o real do imaginário?
Pode ser que nem existam dois lados, que vida e morte faça
parte de uma coisa só. Mas isso sou eu usando minha imaginação.
Na minha cabeça humana tão limitada e cheia de imaginação
não consigo entender um monte de coisas simples do dia-a-dia. Muitas vezes não
entendo o que se passa comigo mesmo. Imagina então querer entender o
metafísico. Pensa!
Mas procuro me manter aberto, às vezes sou eu que não
entendo por ser teimoso, como se a verdade estivesse gritando na minha frente e
eu não dando ouvido. Pode ser que sou eu que não estou no mesmo "nível". Pode ser mesmo.
Mas ao mesmo tempo preciso ser muito sincero comigo mesmo.
Não quero enviesar nenhuma crença por comodismo meu.
Na duvida fica a duvida mesmo: como será na verdade?
Quanto à morte, não sei.
Deixo isso em aberto, sem conclusão.
Vou morrer num acidente de avião voltando pro Brasil,
atacado por babuínos raivosos ou velhinho na minha cama?
Vou pro céu depois, pra outro plano mais sutil, reencarnar
num besouro ou simplesmente parar de existir?
Espero ter tempo em vida para entender melhor essas coisas.
Agora sei que não quero viver uma vida de acordo com o que
vai me acontecer depois da dessa vida.
Quero viver essa vida de acordo com essa vida.
E essa vida tem me ensinado até agora que existem coisas que
não dá pra querer mudar. Umas delas é que a vida antecede a morte. Isso é uma
coisa que só é possível aceitar.
Assim como não é possível a gente mudar outra pessoa.
Não é possível a gente mudar o mundo.
A mudança do outro, a mudança do mundo começa com a mudança
em mim.
Mas eu continuo querendo um mundo melhor.
Onde todos são mais felizes.
Eu faço parte desse mundo também.
Eu junto com todas as coisas que vivem, que morrem e que se transformam.
Isso é uma crença minha?
Essa noite sonhei que chegava em casa e todos meus amigos me abraçavam!
Pra ser bem sincero não pensei muito sobre o que estou
prestes a escrever, mas senti de súbito uma vontade enorme de falar sobre o
amor.
Se olhar com um olhar rápido, meu primeiro amor deve ter
sido a Marcela do pré. Do externato São João.
Não espera! lembrei de uma menina que nem sei o nome. Da quermesse, da igreja que tinha perto do prédio que eu morava na rua Martelinho...
Nem sei quantos anos tinha...menos de cinco talvez.
Depois muitas menininhas abalaram
meu coração.
Mas hoje não estou com vontade de falar desse amor entre
homem e mulher.
Na verdade hoje não to vendo diferença entre as formas de
amor.
Entre uma pessoa que você encontra rapidamente na sua vida,
até as mais próximas, no fundo se trata de amor. Né?
Não quero entrar em comparações, não tem sentido comparar
amor...
Mas não dá pra esquecer, é claro, que mesmo sem dar importância quando
era criança, meus pais são as primeiras pessoas que amei de verdade. Minha mãe
e meu pai.
Que cuidaram de mim, quando eu era um neném prematuro e
sempre doente! Puta que o pariu eu dei trabalho demais pra esses dois! Catapora
que tem cicatrizes até hoje no meu pulmão...alergia a leite do peito, a leite
de vaca...só leite de soja...que muleque pra dar trabalho heim?
Nem vou listar agora tanto trabalho que dei pra esses dois.
Né Marilza? Né Miguel?
O fato é que sem o cuidado e o amor deles eu não
estaria bem aqui neste momento.
Mas tantas pessoas foram e continuam sendo tão
fundamentais...de fato não é uma questão de comparar.
O fato é que não estamos sós. Mesmo quando nos sentimos
sozinhos. Nós coexistimos com todas as coisas que existem e estamos ligados um
com o outro pra estarmos existindo nesse exato momento de agora.
Mas não quero falar sobre existência, quero falar sobre
amor.
Pois me lembrei de todas as pessoas que encontrei nessa
viagem, e percebi como cada uma delas fez manifestar um amor verdadeiro em mim.
Então me lembrei de uma porrada de pessoas que já encontrei nessa viagem da minha
vida e percebi como a lembrança deles faz borbulhar dentro de mim um amor
enorme.
Poder sentir isso, amor por cada pessoa que encontro, talvez
seja o maior barato de viver.
É claro que eu amo meus pais, minha família, meus amigos. É
claro que eu amo a Aninha, que tem o fator “cheirinho” inquestionavelmente a
seu favor.
Mas não se trata desse amor só. Que as vezes se confundi dentro de mim com outros sentimentos como o ciúme, posse, medo...comparações.
Quando o amor começa a se transformar de um amor pequeno
para um amor gigante ele deixa de ser limitado, e passa a ser infinito. Não é
amor daquela pessoa que eu quero só pra mim, é amor por todas as condições que me trazem pra esse exato momento. Amor pelo passado, pela natureza, pelo universo,
amor por cada momento, amor pela vida, amor pela morte, amor pelos altos e
pelos baixos.
Amor de verdade não é forçado, é natural e já tá existindo
mesmo antes da gente notá-lo.
Amor não é algo que a gente dá, pois ele nem pertence a nós em
primeiro lugar.
Amor não é tudo o que a gente precisa, pois a gente já tem
amor deste o momento em que nascemos.
Nós só pegamos essa mania de não reconhecer o amor em todas as
coisas do dia-a-dia, em todas as pessoas que encontramos. Nós pegamos essa
mania de algum lugar que não sei bem onde é! Mania de querer enquadrar o amor
num esquema pra só então poder chamá-lo de amor. Ou escolhendo pra quem vamos “dar”
nosso amor.
Amor de pais, amor de irmãos, amor de amigos, amor de
família, amor de filhos, amor de avós, amor de netos, amor de amantes... Mas paixão
não é amor, amor é algo mais... Quem disse? Quem está dizendo? Quem está
comparando? Quem? Quem está colocando um amor acima do outro? O amor que a
gente sente só a gente sabe, não é? Que amor a gente tá sentindo? Ele é pequeno
ou ele é grande?
Esta é a sua vida. Faça aquilo que você ama e faça com frequência. Se você não gosta de alguma coisa, mude. Se você não gosta do seu trabalho, se demita. Se você não tem tempo suficiente, pare de assistir TV. Se você está procurando pelo amor da sua vida, pare. Eles estarão te esperando quando você começar a fazer as coisas que ama. Pare para analisar, todas as emoções são maravilhosas. Quando comer aproveite até a ultima mordida. A vida é simples. Abra sua mente, braços e coração para novas coisas e pessoas. Nós estamos unidos em nossas diferenças. Pergunte a próxima pessoa que encontrar qual é a paixão dela, e divida seus sonhos e inspirações com ela. Viaje muito. Se perder vai te ajudar encontrar a você mesmo. Algumas oportunidades só vem uma vez, agarre-as. A vida é sobre as pessoas que você encontra, e as coisas que você cria com elas. Então vá e comece a criar. Viva seu sonho e divida sua paixão. A vida é curta.
Esse é um dos sentimentos mais fortes que fica pra mim
nestes meses aqui no Japão.
Não sei falar japonês, não entendo as palavras em japonês.
Ao me relacionar com as pessoas é difícil se comunicar com
as palavras.
O mesmo acontece com as vaquinhas, elas não falam o que
estão sentindo e não entendem as palavras que eu falo. Eu me peguei muitas vezes
sem saber em que língua falar com as vacas:
Oideeee!
Olha o leite!
Milk!
Pra pedir passagem:
Excuse me!
Sumimassen!
Dá
licença!
Um dia elas não estavam vindo comer e eu pensei em imitar
voz de mulher (pois quem cuida dos bezerros na maioria são mulheres)...então
gritei num falsete desafinado..”OIDEEEEEEE”!
Mas na verdade que diferença faz?
Com palavras, sem palavras...
Sem as palavras não tive problemas de entender o que
precisava ser feito, não tive problemas pra fazer junto, pra ouvir as pessoas e
as vaquinhas.
Acredito que fiquei mais sensível pra olhar melhor, ler os
detalhes e ter calma pra fazer esse processo de escutar. Sem palavras o foco
não dá pra ficar só no que acontece entre eu e as pessoas, ou no que estou
pensando enquanto escuto. Precisei ajustar o foco mais nas pessoas, ou nas vacas.
E procurar olhar bem, ouvir bem.
É como um ouvido que cresce no peito ou uma orelha no
coração. Como um abraço ou um aperto de mão. Entre "kokoros".