domingo, 16 de outubro de 2011

Um ouvido que cresce no peito


Um ouvido que cresce no peito.
Esse é um dos sentimentos mais fortes que fica pra mim nestes meses aqui no Japão.
Não sei falar japonês, não entendo as palavras em japonês.
Ao me relacionar com as pessoas é difícil se comunicar com as palavras.
O mesmo acontece com as vaquinhas, elas não falam o que estão sentindo e não entendem as palavras que eu falo. Eu me peguei muitas vezes sem saber em que língua falar com as vacas:
Oideeee!
Olha o leite!
Milk!
Pra pedir passagem: 
Excuse me!
Sumimassen! 
Dá licença!
Um dia elas não estavam vindo comer e eu pensei em imitar voz de mulher (pois quem cuida dos bezerros na maioria são mulheres)...então gritei num falsete desafinado..”OIDEEEEEEE”!
Mas na verdade que diferença faz?
Com palavras, sem palavras...
Sem as palavras não tive problemas de entender o que precisava ser feito, não tive problemas pra fazer junto, pra ouvir as pessoas e as vaquinhas.
Acredito que fiquei mais sensível pra olhar melhor, ler os detalhes e ter calma pra fazer esse processo de escutar. Sem palavras o foco não dá pra ficar só no que acontece entre eu e as pessoas, ou no que estou pensando enquanto escuto. Precisei ajustar o foco mais nas pessoas, ou nas vacas. E procurar olhar bem, ouvir bem.
É como um ouvido que cresce no peito ou uma orelha no coração. Como um abraço ou um aperto de mão. Entre "kokoros".

sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Jota Liano


Tava olhando o face e vi a foto do Jota lá na preparação do tokkou...

 pancinha!!
Então fiquei me lembrando desses séculos de amizade.
Vixi meu irmão! Quanta coisa né?
Mas vou ser bem sintético, pois se puxo um fio, desenrola toneladas de coisas dessa amizade.
Esse vídeo diz tudo.



Acho que nossa amizade sempre teve essa dinâmica. Sem precisar falar muito, nem combinar, deste de criança um vai no vácuo do outro, não pra competir, mas porque assim os dois pegam mais velocidade.
Quem tá frente protege o outro do vento, e na hora que acelera, naturalmente passa a proteger, e assim vai sucessivamente! 
Sempre juntos!

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Contos das focinhadas



Outro dia estava eu lá com as vaquinhas. Fui espalhar as serragens para cobrir as partes molhadas e as merdas. É justamente fazendo isso que os bezerros ficam mais agitados, dão cabeçadas, correm, encaram e quando menos se espera vem um focinho curioso fuçando no toba alheio.

Já estava tentando entender porque eles ficam tão agitados nesta hora a algum tempo.
Mas sem sucesso algum continuei tomando focinhadas no toba.
Então alguns dias atrás comecei a prestar mais atenção em algumas coisas.
Eles são muito sensíveis ao meu estado, então olhei pra mim e perguntei de boa, como eu to hoje? Percebi que apesar de me sentir bem e achar que estava tudo certo, na hora que eu estava jogando as serragens eu ficava muito preocupado em olhar pro chão e ver onde precisava de serragem nova, como não queria tomar focinhada no rabo, tentava passar despercebido ignorando os bezerros. Isso nunca funcionou. Passei a olhar pra eles, prestar atenção neles. Percebi uma leve mudança só com isso, mas ainda sim eles continuavam agitados, e acabou virando uma brincadeira de “congela”, “to te olho em você”, “sai de trás”...
No outro dia continuei pensando, “porque será que eles ficam tão agitados?”
E mesmo achando que está tudo bem comigo (hoje to de boa), percebi que na verdade não gosto muito de fazer esse “trabalho”, tem que ficar entrando e saindo do quarto pra buscar serragem e é um saco! Percebi que enquanto estou fazendo isso já estou pensando em quantos quartos faltam pra fazer, e quando procuro não pensar nisso e focar só no quarto que estou fazendo e fazer sem pressa, percebo que pelo menos estou pensando na pazada seguinte.
Então peguei uma caixa maior, enchi de serragem e deixei perto da entrada do quarto.  Experimentei fazer desse jeito. Percebi que assim eu acalmava a ansiedade dentro de mim de ficar pensando em terminar logo, e então fui me acalmando de verdade, deixei minha respiração ficar mais lenta, meus movimentos lentos, e na minha intenção quis fazer bem feito pros bezerros, levando o tempo que fosse necessário.
Ai eu comecei a curtir estar lá fazendo isso. Prestei atenção neles, procurava encontrar o melhor caminho pra caminhar entre eles. Antes eu tinha esquematizado uma ordem; entro por aqui, jogo ali, ando por este sentido, jogo do fundo e vou vindo pra frente, etc...e se um bezerro estivesse no caminho, ia pedindo licença, ou dando um empurrão mesmo, pois eu queria ir por ali. Desta vez quis ficar mais aberto e prestar atenção no que acontece em cada momento e tentar descobrir um jeito de fazer na hora que a necessidade vem. Se um bezerro está no caminho, vou jogar serragem em outra parte, ou contorno ele, mas na hora que precisa jogar ali, ele pode sair também, não precisa ser nenhum escândalo.
Justamente neste dia eu tinha que fazer dois galpões a mais do que geralmente faço, bem nos galpões mais difíceis.  Conforme fui fazendo assim, prestando atenção neles, em mim e ir descobrindo momento a momento como fazer, percebi que nenhum bezerro tinha se aproximado muito de mim, eles viam que eu estava ali e me deixavam caminhar entre eles sem muita agitação, e a melhor parte é que não tinha tomando nenhuma focinhada no toba.
Ai eu comecei a me entusiasmar!  E pensar que ainda faltavam dois galpões pra fazer...”será que vou conseguir fazer tudo sem tomar focinhada?”
Mas logo que pensei isso percebi que seu fosse dar corda pra esse pensamento eu ia me desviar do que estava fazendo e tudo iria por água abaixo, quis me manter atento, concentrado...ai num quarto veio um bezerro que começou a querer chegar mais perto, começou me encarar, dar cabeçada...”não filho da puta, hoje tenho que ficar na focinhada zero” então outro movimento começou dentro de mim, comecei a ficar com raiva do abestado.
Então pensei “espera um pouco Miguel, qual o sentido disso tudo?”...”você tá fazendo tudo isso pra se sentir controlando?” porra mano é só uma focinhada no toba! É chato, mas não é o fim do mundo, é natural o bezerro querer dar cabeçada...percebi que na verdade eu comecei a pensar que queria encontrar a forma de entrar no quarto dos bezerros sem agitá-los, queria ser especial o suficiente pra conseguir fazer isso, e depois contar pra alguém..ou colocar no blog. Então lá estava eu começando a fixar uma ideia novamente, começando a esquematizar novamente.
Então continuei prestando atenção nas coisas, mas desencanei de chegar ao resultado “toba zero”. Se quiser dar cabeçada fazer o que? Tudo bem ué.
E fui fazendo assim...
Nos últimos quartos esse pensamento voltou, pois sem me preocupar estava de fato conseguindo me manter na “focinhada zero”, e estava muito gostoso, pois eles ficavam, na maioria das vezes, deitadinhos e não ligava muito pra mim. E eu estava com sentimento bem calmo e curtindo cada quarto, cada relaçãozinha que se estabelecia com cada vaquinha...não queria perder isso...ai lembrei dessa coisa de comemorar nossos feitos.
Isso acontece comigo quando, por exemplo, estou aprendendo a tocar uma musica. Eu Ralo, ralo, ralo pra entender as notas e tal...quando finalmente consigo tocar, fico tão feliz que minha atenção se desvia e na vez seguinte não consigo tocar direito.
No teatro e nos jogos de coordenação em grupo, isso também é bem freqüente, e acontece com todo mundo. Exatamente na hora que a gente percebe que está conseguindo manter o jogo coordenado é justamente a hora que exige mais atenção, pois o entusiasmo é sempre tão forte, natural e gostoso que na hora que a gente dá bola pra ele um segundinho a mais...erra o tempo..a bolinha cai, bate o bastão no pé..cai na risada!
Igual esse goleiro que comemora antes da hora.




A mente se dá por satisfeita, vai pra outro lugar que não é o momento presente.
Sei lá!
Então veio um entendimento bem interno do que é o equilíbrio.
Não foi intelectualmente, não foi de estudar e tal...
Foi quase sem querer, de observar a vida mesmo.
O equilíbrio em todos os sentidos.
Pra não cair, não desviar, não deixar de olhar, pra não ficar muito triste.
Que equilíbrio é esse? Equilíbrio de todo dia.

Epílogo

Mas tudo isso é como eu vejo e construo o sentido pra mim mesmo.
É como eu investigo a mim mesmo.
Na verdade como foi?
Agora na hora de escrever tudo fica mais distante de como foi a experiência. É meu pensamento analisando e construindo uma dramaturgia.

A Momoko me disse uma imagem bonita e fiquei pensando nela:
De que nós humanos, assim como as vaquinhas e tudo mais, somos como galhos de uma mesma árvore balançando no vento.

Então quando um bezerro vem e me dá cabeçada é como um galho dessa árvore que se moveu com o vento. 
É da natureza dele fazer isso. 
A maneira como a gente sente isso, interpreta etc...é o pensamento humano. Que também faz parte da natureza de ser humano. 
Mas é só o pensamento.

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Pintura musical



                               Muito bonito mesmo, vejam até o final!

Undoukai

Undoukai, algo do tipo "encontro para movimentar o corpo". Todo outono em todas as escolas do Japão as pessoas se juntam para brincarem juntos e é claro movimentar o corpo. Hoje rolou undoukai aqui em Toyosato. 

 Foi muito divertido!


 As crianças cheerleaders!! fofuxas!


 A Na-chan manhosa....


Um dos momentos mais legais foi a corrida dos idosos para pegar pão sem usar as mãos.






 E também as mães com seus pequenos!




 E as crianças mais velhas também!






E assim foi a nossa manhã hoje, movimentando o corpo todos juntos! crianças, jovens, adultos e velhos!
Eu participei de todas as brincadeiras e "corri como um demônio"!
Depois durante o pic-nic, Fridolph veio e me disse isso...You run like a devil!



Foi muito divertido!
A Madoca está aqui com a gente hoje! toda madame e com barrigão!


Um monte de mulher e só eu de macho aqui! só eu não o Dan também! Eu, o Dan e a mulherada.


Madoka, Midori, Mira, Inês, Haruna e Aninha! curtindo o barrigão, a barriguinha, o neném e a coisinha xuxúca da Na-chan!

sexta-feira, 7 de outubro de 2011

O sentido faz falta?




A gente procura um sentido para a vida somente quando o cotidiano perde sua graça e seu encanto


É uma queixa frequente: o mundo e a vida fazem pouco sentido -muito menos sentido do que antigamente, completam os saudosistas. Nas famílias, às vezes, essa queixa produz uma espécie de pingue-pongue. Os pais acham que os filhos adolescentes vivem por inércia, sem rumo e projeto: "Eles não estão a fim de nada que preste, não têm uma causa, uma visão de futuro".
Os filhos, confrontados com essa preocupação dos pais, declaram que, se precisassem mesmo de um sentido para viver, certamente não é com os pais que eles o aprenderiam: "Mas qual sentido gostariam que eu escolhesse para minha vida, se a vida deles não tem nenhum?". Nesse diálogo, o sentido parece ser sempre o que falta na vida dos outros que criticamos.
Também existem indivíduos (adolescentes e adultos) que se queixam da falta de sentido em sua própria vida: "Viver para quê? Todo o mundo vai morrer de qualquer jeito; que sentido tem?". 
Geralmente, ao procurar responder a essas constatações desconsoladas, amigos, parentes e terapeutas agem como os pais que mencionei antes: querem injetar uma causa, uma visão de futuro na vida de quem lhes parece ter perdido o rumo "necessário" para viver.
Agora, eu não estou convencido de que, para viver, seja necessário que a vida tenha um sentido. Quando alguém se queixa de que sua vida é sem sentido, não tento interessá-lo em grandes razões para viver. Prefiro perguntar (para ele e para mim mesmo) de onde surge tamanha necessidade de um sentido. É curioso que, para alguns, a existência precise de uma justificação, de uma razão, de uma causa, de uma visão de futuro.
Em regra, essa necessidade de justificar a vida se impõe quando a própria vida não se basta mais. Ou seja, é quando os gestos cotidianos perdem sua graça que surge a obrigação de fundamentar a vida por outra coisa do que ela mesma.
Nota clínica: a depressão não é o mal de quem teria perdido (ou nunca achado) uma grande razão para viver. Depressão é ter perdido (ou nunca encontrado) o encanto do cotidiano. Por consequência, tentar "curar" a depressão de um adolescente propondo-lhe militância política ou fé religiosa é nocivo: se a gente conseguir capturá-lo num grande projeto, esse mesmo projeto o afastará ainda mais da trivialidade do dia a dia, cujo encanto ele perdeu.
Resumindo, quando alguém se queixa de que a vida não tem sentido, o problema não é ajudá-lo a encontrar o tal sentido da vida, mas ajudá-lo a descobrir que a vida se justifica por si só, que ela pode ser seu próprio sentido. 
A cultura moderna poderia ser dividida em dois grandes blocos (que não coincidem com as tradicionais divisões de esquerda vs. direita etc.): os que pensam que o sentido da vida não está na própria experiência de viver (mas na espera de um além, num projeto histórico etc.), e os que pensam que a experiência de viver, por mais transitória que seja, é todo o sentido do qual precisamos (nota: a psicanálise, inesperadamente, está nesse segundo grupo, por constatar que a gente sofre mais frequente e gravemente pelo excesso do que pela falta de um sentido).
Alguém dirá que, com o declínio das utopias políticas e algum avanço (talvez) do pensamento laico, o sentido da vida está em baixa. Em suma, eu estaria chutando um cachorro morto. 
Não concordo: talvez a própria crise das utopias e de algumas religiões instituídas esteja reavivando uma espiritualidade que tenta sacralizar o mundo, prometendo, no mínimo, sentidos ocultos. 
O esoterismo "new age" nos garante que a vida tem um sentido misterioso, que a gente nem precisa saber qual é. Melhor assim, não é? Acabo de ler um breve (e delicioso) ensaio do filósofo italiano Giorgio Agamben, "La Ragazza Indicibile" (a moça indizível, Electa, 2010). Agambem (retomando um ensaio de Jung e Kerényi, de 1941, sobre Koré, a moça sagrada -Perséfone na mitologia clássica) mostra que os mistérios de Eleusis (que são os grandes ascendentes do esoterismo ocidental) de fato não revelavam nenhum grande sentido escondido das coisas e da vida -a não ser talvez o sentido de uma risada diante do pouco sentido do mundo. 
Ele conclui com a ideia de que podemos e talvez devamos "viver a vida como uma iniciação. Mas uma iniciação ao quê? Não a uma doutrina, mas à própria vida e à sua ausência de mistério".


Contardo Calligaris



sábado, 1 de outubro de 2011

Pensando na morte da bezerra.


Hoje morreu mais um bezerro.
Dessa vez foi na casa que estou cuidando.
A Rita disse que nessa época do ano costuma ser difícil pros bezerros, principalmente para os da idade que estou cuidando. Pois o verão é muito quente, estressante e agora com a chegada do outono e com a mudança brusca do tempo, eles ficam doentes.
Este bezerro estava demonstrando sinais de estar doente há alguns dias, não estava comendo quando eu dava comida, nem se levantava. Eu já tinha falado com o pessoal, então damos remédio.
Agora de manhã quando fui dar capim, ele tinha morrido.
Essa coisa de morrer é um negócio chato.
Sentei na frente dele por um tempo e fiquei olhando.
Pensei: "esse bezerro morto na minha frente e o bezerro morto que estou olhando é a mesma coisa?"
A minha intenção era tentar olhar para minha forma de olhar a morte.
Pensei que olhar para morte do bezerro seria mais simples que olhar pra morte de uma pessoa que amo, ou mesmo para minha própria morte.
Eita negocio difícil.
Olhar para morte, só ela.
Ou o bezerro morto só ele.
Então veio muitas coisas na minha cabeça.
Normalmente nós começamos a lidar com morte quando alguém próximo morre. No meu caso, a primeira morte próxima de mim que lembro foi do meu avô Chico.
Eu tinha 6 anos na época e não entendi o que estava acontecendo, vi que todo mundo na minha família ficou triste. Tinha gente chorando. Eu me lembro do Michel (um amigo de infância que morava nos fundos da casa dos meus avós) vir me perguntar se eu estava triste por que meu avó tinha morrido. Lembro-me de não estar triste, mas achei que deveria dizer que estava, pois todos estavam logo eu também deveria estar. Se choravam era porque gostavam do meu vô então deveria mostrar que eu gostava dele também. Mas pra ser sincero não lembro se eu gostava do meu avô quando tinha 6 anos. Eu era pequeno. Hoje eu gosto do meu avô pelas lembranças que me contaram sobre ele, sobre a relação neto e avô que minha avó contava e também que minha mãe contou. Mas eu mesmo tenho poucas lembranças dele vivo. Lembro dele no sofá da sala e na cama já muito doente. 
Eu lembro que ganhei de "herança ou lembrança" o sino que ele tocava pra chamar minha avó. Eu ficava brincando com o sino dele.
Era azul.
Depois do meu avô vieram tios meus. Se eu for olhar só para os exemplos da família do lado da minha mãe.
Eu já tinha idade pra entender o que estava acontecendo.

Não fui ao enterro do meu tio Persílio, pois minha mãe achou melhor não ir. (acho)
Lembro que foi uma manhã fria e chuvosa e a gente morava perto do cemitério.
Eu me lembro de não ir à escola e ficar na cama quentinho assistindo TV Colosso.
O tio Jairo eu não fui por que era adolescente e me revoltei com essa coisa de morte.
“ele não está lá!”
“não tem sentido nenhum fazer velório!”
“não vou ver!”
Acho que falei esse tipo de coisa pra minha mãe sem me ligar que se tratava do irmão dela.
Como o tio Jairo não era muito próximo de mim, não sabia como era pra minha mãe. Quis entender as coisas só pelo meu ponto de vista.
Depois foi o tio Joaquim. Também não fui vê-lo.
Ano passado foi meu Tio Mário. Foi diferente, mais próximo e eu mais velho também... Minha tia e minhas primas... Eita! Minha mãe estava super acompanhando...Eita!
Esse ano minha vó linda!
Eita nois!
É como se ela estivesse me ensinando sobre a morte devagarzinho.
Muitos anos doentinha.
Alzheimer.
Pouco a pouco esquecendo quem era a gente, esquecendo a falar... Dois anos na cama. Devagarzinho ela me ensinou a ir deixando ela ir pouco a pouco. Como se ela fosse dizendo bem devagar, “estou indo Ângelo”...
Depois sem ela dizer mais nada eu comecei a aceitar ela do jeito que ela estava.
Toda vez que ia visitá-la eu dava a mão pra ela segurar e ela segurava, eu olhava nos olhos dela e ela olhava de volta. Como se ela me ensinasse a estar com ela assim. Não sei se ela me reconhecia (provavelmente não), mas isso não significa gente não estava junto. 
Tudo isso foi me ajudando a olhar para minha vida.
Como eu quero viver?
Que vida quero ter?

Isso foi umas das coisas que me fizeram decidir vir pro Japão.
Antes de vir fui me despedir de minha vó.
Era de fato a ultima vez que eu ia vê-la.
Ela me ensinou até isso.
A me despedir.
Eu disse que estava tudo bem.
Disse que estava vindo pro Japão e que ia ficar 5 meses fora.
Disse que estava tudo bem.
Que ela podia ficar tranqüila e relaxar.
Disse que eu a amava muito.
Então toquei viola pra ela, beijei ela no rosto muito longamente (como sempre fazia deste criança), pedi a “bença” e fui embora.
Dois dias depois ela também foi.
Não fiquei triste desta vez.
Desta vez eu pude estar com minha mãe.
Fui ao velório e fiz tudo que podia fazer. Que era nada. Só estar junto.

Eu não sei nada sobre a morte só ela.
Fiquei olhando o bezerro e não vi a “morte”.
Vi um animal sem vida.
A “morte” é como um personagem sem rosto que nós criamos.
Sei que é um fato que um dia não estarei mais vivo.
Mas a “morte” não sei o que é.
Como será?
Pensar nisso me dá Vontade de viver uma vida feliz.
Me dá vontade de estar aqui e agora.