quinta-feira, 22 de setembro de 2011

O mundo dos pensamentos e o mundo dos fatos.


O mundo dos pensamentos e o mundo dos fatos.
Está fazendo um mês que estou trabalhando com os bezerros. Depois da aventura com os porcos em Kasugayama,voltamos para Toyosato jichentti e aqui estou agora.
Gostaria de falar um pouco sobre minhas impressões até agora.
Logo de cara é fácil estar com os bezerrinhos, pois eles são pequenos, cuti cuti, fofinhos, indefesos, tão bunitinhuuuuuuuus!
Mas vai tentar dar de mamar pro bezerro que nasceu há pouco tempo...
AÍ, meu filho, a história começa a mudar.
Eles não têm firmeza na língua e ainda não sabem mamar, ai você vai tentando...
Eles tiram a cabeça.
 Você põe de novo a mamadeira na boca e eles viram a cabeça pra baixo.
 Os olhos ficam esbugalhados....
Você coloca o bico novamente, segura a língua, forma o “U” com ela, segura o focinho, torce pra mamar e ai você toma uma cabeçada...nesse momento eles já deixaram de ser bonitinhos e viram AISEUBEZERRODOSINFERNOSMAMADIABOMAMAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAA!
No começo estava tentando entender as tarefas: Como dar de mamar? Como dar comida? Como dar grama? Que horas? Que ordem? Que quantidade? Remédio?  Espalhar serragem etc...
Não cuido somente dos bezerrinhos bebes, cuido também da “criançada”, dos “adolescentes” e dos “jovens adultos”.
Nesse começo não estava prestando muita atenção neles, estava mais tentando entender como as coisas funcionavam. Nessa fase eu estava olhando para eles como idiotas que atrapalham meu serviço. “não quer tomar remédio bezerro idiota? Tira a cabeçona da frente pra eu por a grama, por favor?”
Uma das coisas que eu não estava gostando de fazer é espalhar serragem nos quartos.
Pois sempre vem um engraçadinho por trás e enfia o focinho na minha bunda!
AI NÃO MANO!!! VOCÊ TÁ LOUCO?? VOCÊ TÁ BRINCANDO NUMA REGIÃO DELICADA DO MEU CORPO!! VAIENFIARESSEFOCINHONORABODASUAMÃESEUBEZERRODOSINFERNOSMORREDIABO!!!
Foram momentos que eu repetia comigo mesmo: “paciência Miguel”, “paciência”!!
Então ficava pensando comigo mesmo sobre paciência.
O dia inteiro enquanto estava com os bezerros fiquei pensando sobre as qualidades de ser uma pessoa paciente. O quanto ser paciente contribui para um ambiente mais harmonioso, o bem que isso pode fazer as pessoas ao meu redor...”nossa as pessoas vão olhar pro Miguel e falar: nossa que menino paciente! Vamos admirar sua paciência....” nesse momento estou tanto pensando internamente que não vejo o que está acontecendo na minha frente, então vem um bezerro e enfia o focinho na minha bunda!
“hoje não meu caro! Hoje você não vai conseguir tirar minha paciência, pois estou treinando para ser paciente... vem aqui tomar o leite vem....tudo bem pode tirar a cabeça, vem de novo..
Isso toma mais um pouco, isso quase lá, só mais um pouco, vira a cabeça, dá cabeçada...hoje não meu caro!! Hoje estou inabalável! Até que ele vem e enfia o MALDITOFOCINHONA MINHABUNDA!!!!!!!! DE NOVONOVO?????
BEZERROOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOODOSINFERNOSSSSSSSSSSSSSSSSS!
NUSSSSSSSSSSSSSSSSQUERAIVA!
Na ultima semana as coisas começaram a mudar. Como já estou entendendo melhor o que tenho que fazer, estou começando a olhar mais para os bezerros. Teve dias muito legais em que estava muito feliz e bem humorado. Resolvi prestar atenção em mim nesses momentos.
Assim como os porcos eles não muito diferentes de nós, eles parecem crianças. Um dia colocando a serragem em um dos quartos, veio o engraçadinho querendo fuçar nas minhas partes delicadas, como estava de boa e também não estava muito preocupado em “cumprir a tarefa”, fiquei com vontade de prestar atenção nele. Foi nesse momento que eu senti eles parecidos com crianças, e para mim é natural me relacionar com a “mulecada”, pois é só brincar junto e eu gosto muito de brincar ainda. Então sai correndo pelo quarto e brinquei um pouco com ele.
Foi divertido e meio idiota também. Mas foi legal.
Aos poucos enquanto buscava olhar para eles durante o dia, foi crescendo dentro de mim a vontade de cuidar deles e também veio naturalmente um sentimento mais terno.

Eu não estou colocando isso com intenção de soar bonitinho. Eu não sei como é para os bezerros. Não sei se é melhor para eles dessa forma, se eles acham legal brincar comigo etc...não faço idéia de como é a cabeça de um bezerro.  Sei que pra mim é mais legal.
Ao mesmo tempo estou achando tudo isso uma puta oportunidade de olhar dentro de mim de uma forma não cabeçuda.
Quando falo “cabeçuda” é mais ou menos como coloquei acima no exemplo de querer ser paciente. Continuo achando legal ter paciência, mas o movimento de só voltar pra dentro dos meus esquemas mentais, fica uma coisa só lá dentro, tudo meio emaranhado com minha forma de pensar. É claro que o pensamento sempre está dentro, mas quando os pensamentos brotam da observação do que está na nossa frente me parece diferente. Eu me sinto mais equilibrado e feliz quando é assim.
Trabalhar com animais é bom por isso, eles são reflexos bem confiáveis de como estamos.
Não dá pra ter idéias fixas com eles, não dá para esquematizar o serviço para que tudo seja da nossa forma, eles não obedecem nossas vontades. É Assim também nos trabalhos com as plantações e o trabalho no campo, especialmente a céu aberto, fora das estufas. É preciso lidar com a natureza, respeitá-la, saber olhar para ela. Não vai depender somente da nossa vontade. Vai depender do clima, da terra  e de inúmeros fatores.
Indo todos os dias junto dos bezerros, sinto como se eu me aproximasse das coisas como elas são na natureza. E como sou parte dela, é como se eu me aproximasse de como as coisas são comigo também.
Diferente de quando estamos somente dentro das cidades e dos trabalhos onde só lidamos com pessoas, números, projetos, metas... onde tudo é reflexo do pensamento humano e das nossas idéias fixas.
Acho que ambos fazem parte da nossa vida, mas tenho sentido que me faz bem me aproximar da natureza e também de saber olhar onde está o pensamento humano, dentro das construções da sociedade, das profissões, dos relacionamentos e nas fronteiras entre uma coisa e outra.
Quando digo natureza não estou me referindo àquela coisa bucólica, gracinha, dos desenhos do capitão planeta ou dos clipes do Michael Jackson, aonde vem a menininha cantando na floresta, brincando com as borboletas e deita na relva como se fosse o sofá de casa...sempre que eu via isso eu pensava: “mano essa menina vai se encher de formigas e vai ficar toda picada!” eu digo natureza pensando no movimento das coisas acontecendo e se transformando, seguindo um fluxo bem mais antigo que a nossa existência. Penso na natureza como as coisas como elas são simplesmente.
Olhando assim parece que a natureza humana é ser feliz, mas então por que não somos o tempo todo?
Hoje no almoço estava conversando com a Rita, ela disse que quando veio pro Japão pela primeira vez com 26 anos, ela ficava pensando na Suíça e depois na Suíça ela ficava pensando no Japão.
É verdade né? Porque será que fazemos isso? Perguntei pra ela.
Ela disse o pensamento humano é uma coisa magnífica, com ele nós podemos ir ao futuro e voltar ao passado, mas que é mal utilizado na maioria das vezes. Então ela perguntou pra alguém como se escreve o kanji de “agora”.
Ela escreveu bem grande e colocou na parede do quarto dela, pra ajudá-la a lembrar de olhar e viver o presente, afinal ela queria muito estar no Japão.
Eu achei isso muito interessante.
Deu vontade de tatuar na minha testa!




 O jota fez essa montagem...achei da hora!!!

3 comentários:

  1. ow mano,
    legal essas reflexoes. Eu entrei mto nesse transe durante o mestrado qdo tinha q ficar fazendo observacao das vespas. Depois da fase de "ficar entendendo como o mundo delas funciona", vc comeca a relaxar e a interagir com elas em um outro nivel. Eu me lembro q ficava tentado fingir ser parte do ambiente para q ela não me estranhasse. Qdo eu conseguia, elas chegavam a ficar pousando na minha mãe como se fosse um galho. Era mto disney. Mas o mais legal era q eu só conseguia chegar nesse estado qdo eu relaxava. Parava de pensar no "vou ficar quieto pra nao atrapalhar a vespa". É até meio ridiculo, mas eu tinha a impressão dessa interação vir do outro lado tb. Talvez alguma curiosidade do tipo "ei, tem alguma coisa q fica se mexendo perto do meu ninho. Vou lah conferir". Nessas horas eu me sentia bem pequeno em relação ao mundo, mas eram os momentos em q eu mais me sentia fazendo parte dele.
    Pra mim é estranho explicar, mas acho q vc descreveu bem como é esse estado, esse sentimento, esse momento, essa coisa aí. O melhor de tudo é como o dia fica mais leve, feliz e claro depois desse estado, sentimento, momento, coisa.
    Abraço mermão, curta bastante aí os focinh...bezerros.

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  2. pois é mano...vc colocou esse estado, sentimento, momento, coisa, como um "transe"...mas eu tenho tido a impressão que o "transe" na verdade é a vida que até agora a gente tá acostumado a viver.
    esse estado, sentimento, momento, coisa eu acho que está acontecendo já, o tempo todo. é a gente olha ou não. quando vc fala das vespas parece que a gente tá falando da mesma coisa. quando vc fala que pára de pensar, de querer estar e relaxa para simplesmente olhar as vespas..é ai que começa né?
    abração mermão!

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  3. Elas pousavam na sua Mãe???Como é isso???

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