Estamos cercados de radiação eletromagnética que não vemos.
O essencial é invisível aos olhos
Para que eu esteja escrevendo estas palavras, uma
coreografia desconhecida organiza a ação coletiva de milhões de neurônios no
meu cérebro: ideias emergem e são expressas em palavras, que datilografo no meu
laptop graças à coordenação detalhada dos meus olhos e músculos. Algo está no
comando, uma entidade que chamamos de "mente".
Segundo a neurociência moderna, nossa percepção do mundo é
sintetizada em regiões diferentes do cérebro. O que chamamos corriqueiramente
de "realidade" resulta da soma integrada de incontáveis estímulos
coletados pelos cinco sentidos, captados no mundo exterior e transportados para
nossas cabeças pelo sistema nervoso.
A cognição, a experiência concreta de existirmos aqui e
agora, é uma fabricação de incontáveis reações químicas fluindo por bilhões de
conexões sinápticas entre neurônios.
Eu sou e você é uma rede eletroquímica autossustentável, que
se define através de sua atuação na malha de células biológicas que constituem
o nosso corpo. Mas somos muito mais do que isso.
Somos todos diferentes, mesmo se feitos da mesma
matéria-prima. A ciência moderna destituiu o velho dualismo cartesiano de
matéria e alma em favor de um materialismo estrito. Hoje, afirmamos que o
teatro do ser ocorre no cérebro e que o cérebro é uma rede de neurônios que se
acendem e apagam como luzes numa árvore de Natal.
Ainda não temos ideia de como essa coreografia neuronal
engendra a nossa sensação de existirmos como indivíduos. Vivemos nossas vidas
convencidos de que a separação entre nós e o mundo à nossa volta é clara.
Precisamos dela para construir uma visão objetiva da realidade que nos cerca.
No entanto, nossa percepção dessa realidade, na qual
baseamos nossa sensação de existir como indivíduos, está longe de ser completa.
Nossos sentidos capturam apenas uma pequena fração do que realmente ocorre à
nossa volta. Trilhões de neutrinos vindos do coração do Sol atravessam nossos
corpos a cada segundo.
Estamos cercados por radiação eletromagnética de todos os
tipos-ondas de rádio, infravermelha, micro-ondas-sem nos dar conta disso. Sons
escapam da nossa audição, grãos microscópicos de poeira e bactérias são
invisíveis aos nossos olhos. Como disse a raposa ao Pequeno Príncipe: "O
essencial é invisível aos olhos".
Nossos instrumentos em muito ampliam nossa visão,
permitindo-nos "ver" o que escapa aos nossos sentidos. Mas a
tecnologia tem limites, mesmo que esteja sempre avançando. Portanto, uma grande
fração do que ocorre escapa e escapará à nossa detecção. O que sabemos sobre o
mundo depende do que podemos medir e detectar.
Quem, então, pode determinar que sua sensação do real é a
verdadeira? O indivíduo que percebe a realidade apenas com os sentidos? Ou o
que amplifica sua visão com instrumentos diversos?
Obviamente, essas pessoas verão coisas diferentes. Se
compararem o que chamam de realidade material, o conjunto das coisas que
existem à sua volta, irão discordar completamente. Qual dos dois está certo? Eu
proponho que nenhum está. Mas vamos ter de continuar essa conversa na semana
que vem.
MARCELO GLEISER
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