sexta-feira, 26 de agosto de 2011

Os Porcos

Essa semana comecei a trabalhar com os porcos aqui em kasugayama.


Todos os dias eu limpo as merdas dos porcos, dou comida, limpo o chiqueiro e coloco serragem nova. Ontem nós fizemos transferência de uns porquinhos de um galpão para outro.
Está interessante trabalhar com os porcos. Eles são parecidos com cachorros às vezes. Às vezes eles parecem com a gente, se olhar nos olhos deles eles parecem gordinhos engraçados.
Tem hora que eles se assustam, tentam correr, escorregam e caem de maduro no chão, parecem gordinhos se machucando...adoro esses momentos, por que eles são engraçados!
Ontem por conta das transferências nós trabalhamos duas horas a mais, e hoje acordamos às 5 da manhã, pois tinha que limpar muito cocô.
Estou muito cansado.
Mas estou realmente gostando de fazer isso. Trabalho junto com o Riorei e ele é muito gente boa.
E enquanto estou lá estou trabalhando muita coisa internamente.
Às vezes meu pensamento voa em lembranças, e isso dá muita saudade de casa. Dos meus pais, meus irmãos, meus amigos, dos meus primos, a família, da galera com quem já trabalhei, das viagens, das apresentações.
Sinto saudade do teatro, dos amigos que já fizeram teatro junto comigo, das peças que fizemos juntos. Do “caderno da morte”, da zero zero.
Às vezes os japinhas me pedem pra imitar o L e bate uma puta saudade. Outro dia mostrei umas fotos do “Qioguem?!” Eles piraram! Deu saudade de tudo isso. Das viagens do SESI, Festivais, temporadas, da casa cheia e da casa vazia,da facu, dos processos valiosos, do “Inspetor Geral”, dos processos valiosos mas que ficaram pelo caminho como o “Terror”,  do rio Capibaribe e os Severinos, da terra de cada lugar que fomos, do Tengen querendo nascer, do balão que voa pela Inglaterra, do Mirandolina, do Rasto maravilhoso, do Márcio fofo, das Linhas de Rumo, rumo tão importante pra mim e ainda tão vivo no meu coração, dos cigarros do Interssecções, aquela fumaça toda, Tom Waits, alargadores espiralados de metal, o inesquecível Doente Imaginário, o Catléia sex...ah se eu fizesse o catléia hoje!!!!
E antes disso o Dom Pedro I no colegial e aquela bendita noite de apresentação que decidi ser ator a vida toda.
E antes disso as peçinhas do Liceu em cena, juiz de paz da roça, aquele que diz sim, aquele que diz não, sem ter idéia de quem era Bretch.
E antes disso as vilas paraísos e os teatrinhos no encontro da amizade, o super verdura, apresentação na festa da primavera. Com um monte de flor de papelão...

Estou em kasugayama agora.

Sinto saudade de tudo isso, mas sinceramente não sinto falta de caçar editais, produzir e torcer pela loteria. Não sinto falta de São Paulo, de olhar os preços mais baratos no supermercado, de gastar toda grana com aluguel, das crises de pânico no metro.
De dar aulas do outro lado da cidade entre um ensaio e outro.
Naqueles dias eu achava que teatro era tudo que eu sabia fazer, que eu não sabia fazer outra coisa. Aos poucos fazer teatro foi deixando de ser uma escolha...é só o que sei fazer.
Eu sempre admirei todos que trabalham com teatro no Brasil, só pelo fato de insistirem.
Mesmo fazendo peças sem noção às vezes...
Hoje estava limpando côco de porco, já trabalhei com bezerros também aqui no Japão, com tomates, com galinhas, com morangos.
E não me interessa se vou fazer isso a vida toda ou se vou voltar a fazer teatro quando voltar pro Brasil.
Hoje me sinto mais livre, pois não tem o sentimento de estar preso a idéia de construir uma carreira de sucesso ou de estar preso a única coisa que sei fazer. Eu sei fazer uma porção de coisas, na verdade eu posso fazer o que eu quiser. É claro não dá pra ser astronauta, nem jogador de futebol, pois gosto de coçar o nariz e sou perneta.
Mas cada dia aqui é um momento pra experimentar viver a felicidade sem condições.
Não tem mais aquele pensamento de só vou ser feliz se for ator, só vou ser feliz se fizer tal peça, se fizer tal personagem, só vou ser feliz se estiver criando.
A felicidade não precisa ser somente possível se as condições forem favoráveis.
É claro que ajuda. É claro que é natural querer melhores condições pra ser feliz.
Mas se a felicidade depender das condições externas é como se a gente construísse a nossa própria armadilha. Não há liberdade.
Estou experimentando minha vida sem ser ator e pensando se posso deixar de fazer isso pro resto da vida. Não é que eu tenha desistido, mas pelos nos últimos 10 anos só me vi fazendo isso, é um grande apego meu. Já que hoje não estou atuando, pensei em me fazer essa pergunta: Posso viver sem voltar a atuar? de verdade? Se realmente eu puder dizer que sim, talvez eu possa voltar e ser pela primeira vez ator. Se eu quiser.
Volta a ser uma escolha. Não é porque eu preciso.
Isso vale pra todas as outras coisas.
Estar perto de casa, da comida que gosto, das pessoas que amo.
O que a gente realmente precisa pra ser feliz?
Precisa de algo? Ou é somente uma escolha?
É claro que eu estou louco por uma cerveja agora. E quando penso em voltar para o Brasil quero fazer um churrascão com todo mundo. ... viver sem violão fica mais difícil...
Mas gostaria de ir bem fundo nisso o máximo que eu puder. Sem pegadinhas e sem roubar. Sendo bem sincero comigo mesmo e aos poucos ir tirando as condições pra ser feliz...ser livre das insatisfações e ser satisfeito com uma vida plena.
E se eu voltar a fazer teatro, gostaria de começar do começo, do ponto zero. Sem referências acumuladas, sem formas pré-estabelecidas, sem estilo, linguagem, técnicas refinadas...ia ser bom se fosse simples, próximo do sentimento verdadeiro que liga pessoa com pessoa, fazer com amor, com liberdade. E que seja uma homenagem a vida.
Alguém topa fazer junto?



 Hoje nós almoçamos debaixo do pé de uva.







Um comentário:

  1. Nossa primo...adorei seu texto! É o segundo que leio e suas palavras realmente me tocam.
    Nesse agora, decidi deixar um comentário porque realmente "mexeu" comigo. Me identifiquei tanto....compartilho com você a forma como interpreta as experiências da vida e de que "cada dia é um momento para experimentar viver a felicidade sem condições" Muito lindo isso viu!!
    Fico feliz por você estar vivendo essa fase tão bonita ai no Japão :)
    Big beijo da prima Bia.

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