segunda-feira, 16 de abril de 2012

Naikan


Basicamente o naikan foi pra mim um olhar interno extremamente profundo. Olhando a minha própria história foi riquíssimo começar a ver como cada lembrança se faz presente na pessoa que sou hoje. Eu comecei a entender melhor de onde vem cada coisa que faz eu ser assim desse jeito. O que minha mãe fez por mim, meu pai, as pessoas próximas, amigos e mesmo eu sendo assim cego pra muitas coisas, cheio de coisas pra resolver, posso ser feliz e viver uma gratidão profunda pelas pessoas e pela vida. É mais ou menos isso que estou sentindo.




Vim fazer Naikan, pois quando soube através do Alam, e conforme fui sabendo mais a respeito do Naikan, mais importante parecia poder fazê-lo.
"Examinar a minha própria história", "Porque este [eu] é assim?”.

Voltar a minha atenção para as memórias mais antigas em relação a minha mãe não foi fácil no primeiro dia.
E durante todo este primeiro exame percebi que minhas lembranças estavam bagunçadas. "Quando foi isto?", “isso aconteceu mesmo?", "será que foi assim?", "essa lembrança é minha mesmo ou será que é algo que foi contado para mim?".
Porém pouco a pouco, conforme ia continuando, fui conseguindo criar um mapa com as datas aproximadas dos eventos que me marcaram mais, tendo o período escolar como referência.
Com esse mapa "mais ou menos" feito, consegui focar com mais tranqüilidade em cada período e então as lembranças em relação a minha mãe foram surgindo e pude começar a enxergar uma trajetória.

O que a minha mãe fez por mim?
Como retribuí?
Que problemas causei?

Foi a partir do terceiro dia que procurei ficar mais tempo em cada lembrança, e então a olhar com calma, a fim de ver o conteúdo.
Quando eu era criança minha mãe fez tudo por mim.
Eu era completamente dependente dela.
Se eu comi, foi porque minha mãe me alimentou.
Lembro de um dia que comemos peixe na vizinha, minha mãe tirou os espinhos para mim.
Se eu tomei banho, foi porque minha mãe me banhou.
Se fiz cocô, foi minha mãe que limpou e depois que me ensinou a me limpar sozinho.
Se eu fui à escola, foi ela que me levou, comprou os livros, encapou os cadernos (com plástico azul em xadrez), me vestiu com os uniformes (camiseta branca com o símbolo do colégio Externato São João, bermuda azul marinho, tênis, meia, nessa época não podia ser qualquer meia. Não podia ter costura grossa, pois eu tinha aflição...)
Quanto trabalho eu dei!
Seguindo assim cada evento, lembranças "reais" surgiam,
Nessa época onde a gente morava?
Como era o prédio?
Como era cada cômodo? Detalhadamente... A vizinhança...
Tudo que eu fiz, tudo, minha mãe estava diretamente envolvida, provendo tudo, fazendo tudo, cuidando de tudo.
Tudo isso ela fez por mim.
Eu nada fiz como retribuição.
Nem consegui enxergar as coisas que ela estava fazendo.
Absolutamente cego.
Os problemas que causei... Foram tantos... Fiquei doente muitas vezes, Briguei com minha irmã, me machuquei, fui mal na escola, quebrei coisas em casa.

O ano de 1994 foi pior.

Além dela estar passando por um período de muita tristeza com o divorcio, ainda teve que lidar com um adolescente teimoso, mimado, briguento e revoltado.
Nesse ano matei muitas aulas de matemática, fiquei de recuperação na escola, inventava mentiras, coloquei minha mãe em situações vergonhosas.
Ela vinha estudar comigo, queria me ajudar com as lições (até isto ela fez por mim).
Como eu retribuí? Falei que ela tinha bafo!
Falei que ela nunca estava presente como as outras mães.
Disse coisas horríveis com vontade de magoá-la.
Mas ela continuou fazendo coisas por mim.
Lembro-me de muitas coisas agora.
E com todo este trabalho...Não lembro de ter dito obrigado!
Foi assim à vida toda.
Quando se é criança é difícil retribuir, ter discernimento para perceber essas coisas.
Mas eu continuo cego para minha mãe até hoje.
Continuo mimado igual, achando que as coisas que ela faz para mim são óbvias.
Tão óbvias que nem consigo ver.
Ela continua ainda hoje fazendo muitas coisas por mim.
Ela continua por trás de tudo que eu faço.
Ela só quer eu seja feliz.
Em tudo que ela fez por mim, em cada detalhe, desde que eu nasci, todo gesto, pensamento voltado para mim, é uma extensão de seu amor.

Quando fui começar a examinar em relação ao meu pai, tive receio, achei que não ia ter muita coisa.
Eu tinha um sentimento em mim que por causa da separação ele tinha ficado distante e mais ausente.
Eu tenho atualmente uma relação muito boa com meu pai, então achava que eu não tinha nenhum rancor.
Durante o naikan todos esses sentimentos ficaram expostos, porém ao examinar com cuidado ano por ano eu vi que na verdade ele foi um pai muito carinhoso e presente e que ele fez muitas coisas por mim.
Olhando o período da separação dos meus pais eu percebi que com tudo isso eu vi meu pai como homem muito cedo, um humano normal, vi minha mãe como mulher.
E a partir de então minha relação com meu ele foi muito mais de amizade.
Isto é algo incrível que ele fez por mim.
Mas ele não é um simples amigo, ele é meu pai, fez muito mais por mim do que eu pude retribuir.
Fez muito mais por mim do que eu pude agradecer.
Fui cego também em relação a ele.
E causei muitos problemas.
No Naikan lembrei uma porção deles.

Depois examinei em relação a minha noiva.
Eu comecei achando que eu estava fazendo mais por ela, do que ela por mim.
Quando comecei a examinar não conseguia ver as coisas que ela estava fazendo.
Então percebi que examinar a relação de casal é mais difícil que a relação com os pais, pois não se dependente disso para conseguir comer, vestir...
Então, novamente, vou deixando de ver as coisas que ela faz para mim.
Ela fez sim, depois fui lembrando.
O que me deu medo foi ver que com o tempo eu não percebia mais as coisas que ela sempre fez. Por que essas coisas ficam "óbvias"?
Eu passei a ficar cego também com os problemas que causei, vivendo nesta posição conveniente onde eu acho que faço sempre mais.
No Naikan eu pude rever isso, e isso me faz muito feliz. Daqui pra frente eu não quero que as minhas relações se tornem óbvias para mim.
Basicamente o naikan foi pra mim um olhar interno extremamente profundo. Olhando a minha própria história foi riquíssimo começar a ver como cada lembrança se faz presente na pessoa que sou hoje. Eu comecei a entender melhor de onde vem cada coisa que faz eu ser assim desse jeito. O que minha mãe fez por mim, meu pai, as pessoas próximas, amigos e mesmo eu sendo assim cego pra muitas coisas, cheio de coisas pra resolver, posso viver uma gratidão profunda pelas pessoas e pela vida. É mais ou menos isso que estou sentindo.

Lendo agora minhas impressões eu vi que a coisa de ficar cego ao que as pessoas fazem por mim ficou bem forte pra mim logo que acabou o naikan. O sentimento de gratidão também. 

Mas agora depois do naikan eu fico pensando em como todas essas coisas que eu tive contato, que eu vivi, das coisas que meus pais fizeram, como tudo isso me formou assim. Com a mini-vila que terminou ontem, eu comecei a pensar no quanto de vilas tem mim também. A gratidão está junto disso tudo, pois estou feliz hoje. Mas fico muito curioso nessa coisa de perceber o que está chegando em mim e como eu estou incorporando essas coisas e formando minha personalidade. Como se dá este processo? Quais conceitos estão funcionando como suporte quando recebo as influências? Quais pessoas me influenciam hoje em dia? Por que essas pessoas? Como eu estou enxergando elas? Outra coisa que também fiquei pensando é por que eu me lembrei dessas coisas durante o naikan? bem...e por ai vai...

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