terça-feira, 12 de julho de 2011

Correr atrás...

Ontem me lembrei de um sentimento que era muito recorrente quando eu estava em cena.
Correr atrás da cena...
Uma vez estava voltando de uma apresentação do “Qioguem?!” Conversando com o Murilo.
Ele disse que aquela noite durante a apresentação ele tinha sentido como se o tempo todo ele estivesse “correndo atrás da cena”. Essa imagem caiu como uma luva.
Pra mim é como se a gente não estivesse no lugar certo, é como se a cena estivesse a poucos centímetros de nós, mas por mais que nós nos esforcemos não conseguimos alcançá-la.
Outra vez me lembro também do Vinicius dizendo num ensaio do “Morte e Vida Severina”, que ele sentia que em cena existe um tempo certo, que se você for capaz de escutar e reconhecer esse tempo, é mais simples pulsar junto dele.
Lembrando disso eu penso que talvez eles estivessem falando da mesma coisa.
Uma imagem vai pelo espaço, outra pelo tempo, mas ambas querendo estar no lugar certo.
Eu me lembrei disso, pois tenho o costume de fazer paralelos entre as minhas experiências no teatro com a vida. Para mim uma é reflexo da outra, o funcionamento de ambas são misteriosas, por mais que nos esforcemos em buscar entender nunca conseguimos encontrar a explicação definitiva e no fim depois de tanto pesquisar, de tanto prestar atenção tudo se resume em se funciona ou não.
Tem cena que funciona, tem cena que não, tem cena que funciona uma vez e depois nunca mais, e a gente fica querendo reviver aquele momento tão especial, mas não consegue.

Nos últimos anos atuando profissionalmente percebi que era mais tranqüilo buscar não fixar nesses sentimentos, e aceitar a cena como se aceita a vida. Ela é efêmera, não é possível reter o tempo, nem fixar-se no espaço, cada momento é especial em si, nós julgando que “funcionou” ou não. Isso me lembra outra coisa, não somos nós, os atores, as entidades especiais, mas sim o momento e a forma como decidimos vive-lo ou atuá-lo.
A vida e o teatro... parece que entendendo melhor um entendo melhor o outro.
E tudo parece ficar mais justo quando realmente estamos no momento presente.
A vontade de correr atrás deixa de existir e nós simplesmente "surfamos", vamos junto, deixamos acontecer.
Aqui na Suíça tenho tido momentos de vislumbres onde me dou conta do que está acontecendo, coisas do tipo: agora está sendo a primeira vez que dobro um pacote de farinha. Então presto atenção em mim fazendo isso e todo o sentimento que vem junto e que sempre existe quando fazemos algo pela primeira vez. Mesmo sendo uma coisa simples e pequena, nela contém uma porção do sentimento que todas as outras coisas da vida.
Outros momentos também, como caminhar no fim da tarde depois de trabalhar o dia todo, depois te tomar banho de ofuro, indo para meu quarto vendo o por do sol.
Momentos de puro carpe diem.
Agora quase consigo ouvir os diretores que me dirigiram e eu mesmo quando fui diretor pedindo aos atores: faça essa ação como se fosse a primeira vez.” Mas na prática como fazer isso?
Sempre tive a sensação de estar “correndo atrás” da vida, como corro atrás da cena que funciona. Com preocupações do tipo: tenho que realizar isso, construir aquilo, ganhar tanto, ser alguém...sempre algo que está lá, que está lá, que muda toda a forma de eu estar aqui.
“Talvez ser um bom ator seja ser ator nenhum!”
Me disse Fridolf outro dia enquanto conversávamos e ele me perguntava sobre minha profissão.
Fiquei pensando no que ele quis disser...
“As pessoas sempre estão atuando na vida delas e não se dão conta de quem realmente são!”
Disse ele outra vez em tom de velhinho sábio tomando sorvete.
Fiquei pensando nisso por dias, até que me perguntei: como será a visão dele de um ator?
A maioria das pessoas vê o ator como um profissional cuja arte é dissimular, fingir, enganar...
Não sei se é assim que Fridolf vê, mas eu vejo o ator como uma pessoa cuja arte é ser verdadeiro, cuja arte exige estar presente e atento a si.
Atuar é ser atuante, estar com a ação e estar na ação.
Nesse sentido ser um bom ator é ser ator o tempo todo na vida.
Mas não sei...
Acho que estamos falando a mesma coisa.

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