domingo, 27 de março de 2011

Onde as pausas são esclarecimentos


Alguém comentou comigo outro dia como é estranho trabalhar sem saber aonde se está indo. Essa é a prova de que estamos num processo que é experiência e conhecimento inesperado, que nos leva a interrogar e a interrogar-nos. É difícil trabalhar sem saber qual poderá ser a conclusão. Dá a impressão de vagar sem objetivo. Sabemos muito bem o quanto é importante o nó final, o ponto de chegada do processo. Mas este aparece como uma saída imprevista do labirinto que o processo de trabalho constituiu. Quando pensamos que nos aproximamos, nos distanciamos. Quando pensamos que estamos longe, a saída está perto.
O final é um nó no qual se reúnem todos os fios tecidos e entrelaçados durante o trabalho. Todos os fios encontram-se selando o “texto lógico-sensorial”. O verdadeiro final é o que encontra o seu inicio, uma experiência rara, na qual as oposições se abraçam e as polaridades parecem coexistir na mesma situação, em um único corpo, em uma única ação.
Tudo isso não pode ser projetado na mesa. Não acontece de maneira consciente e não é possível prepará-lo antecipadamente. É um presente, um momento de graça, que nos enche de gratidão, porque ignoramos o motivo pelo qual o merecemos.
Não existe descoberta se a rota já é fixada. Pode-se aprender a içar e a abaixar velas, a lutar contra as correntes, a usar os ventos contrários. Durante esses dias, falamos do aspecto artesanal do trabalho, o primeiro e o segundo nível de organização. Mas o terceiro nível, o da totalidade, das polaridades que coexistem , o da ação no contexto, o momento no qual o nosso temperamento e a nossa biografia nos guiam a constituir e a atravessar um labirinto, a entrelaçar os fios, a apertar o nó final, é o resultado de uma injustiça existencial. Alguns a alcançaram, outros não.
É possível atingir uma nova praia navegando sem uma rota claramente definida. Conhecemos apenas as técnicas para navegar. Não sabemos se atingiremos o continente sonhado. A consciência de nossos limites nos atormenta: talvez, dessa vez, não chegaremos. O fio de Ariadne é o trabalho cotidiano, a concentração sobre a aparente simplicidade de cada ação artesanal que nos guia na névoa que nos desorienta. Com a precisão essencial da ação que poderá ser a última.
Obviamente nenhum de nós deseja sofrer, expor-se à insegurança ou viver em estado de crise. Mas uma nova orientação só é possível como conseqüência de uma desorientação. Na nossa vida, uma crise pode ser uma pausa-transição, na qual a nossa experiência se prepara para saltar numa nova órbita, que revitaliza as nossas energias.
Estar desorientado significa que as soluções e respostas que possuíamos antes já não nos satisfazem. É o nascimento de algo novo, “nove meses” de gestação, com náuseas, o vomito, a sensação de que o corpo físico e psíquico está se deformando. Nesse periodo de desorientação, toda nossa experiência anterior trabalha para buscar um novo modo de manifestar-se, abandonando a casca segura dos hábitos que agora nos atrapalham.
Eugenio Barba.

Um comentário:

  1. Quando andamos, o tempo todo estamos num ciclo de desequilibrar-reequilibrar. Isso também está em outros fenômenos físicos da natureza, em que é impossível introduzir novidade sem causar instabilidade.

    Acho muito interessante que quanto mais a ciência avança, mas ela confirma o que os filósofos já vêm falando há um bom tempo.

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