Chegamos.
A primeira impressão é como se todo esse tempo viajando não fosse mais do
que um fim de semana.
Voltei. Pronto. Cheguei.
Sofri uns pequenos choques culturais: agora entendo o que as pessoas falam
na rua, o transito é mais caótico. Olho para minha cidade, pra minha rua, pra
minha casa com olhos novos, mas eles continuam familiares.
Acordei no meio da noite e não reconheci meu quarto por alguns segundos...No
escuro estranhei tudo. Procurei algo que me localiza-se. Demorou um tempo. Onde
estou mesmo? Então vi o mural de fotos...Estou no meu quarto!
Encontrei meus pais e alguns amigos, parece que foi ontem que sai de casa
pra ir pro aeroporto. Foi realmente muito rápido.
Mas quando uso minha memória e busco nas lembranças tudo que vivi nestes
meses viajando, parece que foi toda uma vida.
No avião assisti o filme do Senna.
Uma parte especifica me pegou.
Uma entrevista em que ele falava que estava começando a pensar no Airton Senna
pessoa, não somente no Senna piloto. Uma vez que ele achava que teria somente
alguns anos correndo em comparação com os anos de vida pela frente. Ele disse
que talvez estivesse na metade da vida, que ainda não se sentia realizado, que
tinha muita coisa pela frente, muito que aprender, muito pra ser feito...
Se não me engano essa entrevista foi feita no ano que ele morreu.
Nessa viagem toda pensei muito na vida e na morte. Procurei também não ficar
só pensando e olhar a vida enquanto ela acontece. Olhar mesmo.
No avião tive a impressão que eu podia morrer a qualquer momento. Então
percebi como a vida é irritantemente efêmera. Se foi como uma vida esses últimos
5 meses, agora chegou ao fim.
Aqui no Brasil não consigo contar pra pessoas como foi no Japão.
O Japão está comigo e ao mesmo tempo ficou pra trás.
Nada de concreto eu consigo segurar nas minhas mãos e nenhum momento é possível
ser vivido novamente.
Se minha vida estivesse acabando exatamente agora, nada do que vivi vai
permanecer comigo. Mas tudo que vivi vai estar comigo na pessoa que sou neste
exato momento.
E a pessoa que sou neste exato momento aceita morrer com felicidade?
Bom essa pessoa está feliz de estar vivo, do avião não ter caido e de estar em casa se sentindo bem vindo.
Sempre antes de viajar, toda vez mesmo, penso na
possibilidade de morrer.
Mas de boa, sem colocar peso mórbido. Vem-me o seguinte
pensamento: e se o avião cair?
Acho que deve ser normal. Acredito que isso passa na cabeça
de muitas pessoas. Não é a toa que existem muitos amuletos de bom regresso e
tradições em cima disso.
Aqui no Japão mesmo ganhei um da Haruna, que ela comprou
perto do templo dourado.
Ganhei também um origami do Tetsuya em forma de barco,
dentro ele escreveu uma carta explicando a expressão japonesa GOKIGENNYO usada
pelos marinheiros (ele já viajou o mundo trabalhando num navio) essa expressão, segundo ele, não quer dizer adeus. É mais o desejo de uma viagem segura ao seu destino. E de
retorno. Ou somente um olá!
Quando estou iniciando uma viagem e esse pensamento de “e se
o avião cair” vem, peço para que se tiver que acontecer que aconteça na volta
pelo menos, depois da viagem! Mas agora que estou pra voltar peço pra que?
Peço para que os amuletos funcionem!
Acho engraçado esse pensamento sempre vir antes de viajar,
já que a possibilidade de morrer sempre existe todos os dias.
Existem muitas formas idiotas de morrer.
E só dar uma olhada no “Prêmio Darwin”.
Do Wikipédia: Prêmios
Darwin são honras atribuídas de uma forma irônica, cujo nome provém de Charles
Darwin, o criador da teoria da evolução[1]. Estes prêmios são atribuídos de
forma simbólica àqueles que cometeram erros altamente absurdos ou se
descuidaram idioticamente, pondo fim à própria vida ou causando a sua
esterilização[1]. Estes prêmios baseiam-se no pressuposto de que estes
indivíduos, ao se autodestruírem, contribuem para a melhoria do pool genético
humano ao eliminarem os seus "maus" genes[1].
“Tem gente que pensa que é uma boa idéia acender um isqueiro
para iluminar um tanque de gasolina, ou existe aquele ladrão que rouba a fiação
elétrica sem desligar a corrente ou ainda o terrorista distraído que abre a
carta-bomba que o correio lhe devolveu, por ter selos a menos!
Sempre tive medo de morrer, pois amo viver, pois tenho medo
de não existir mais, medo de perder a consciência de mim mesmo. De não ser mais
eu.
Então minha forma de aceitar foi procurar alguma explicação
para o desconhecido. Se eu pudesse saber o que vai acontecer depois então eu
poderia aceitar racionalmente o fato de que vou morrer um dia. Como qualquer
pessoa que gosta de manter o controle.
Fui então dar uma olhada num monte de coisas...
A merda é que mesmo fazendo sentido um monte de crenças, até
hoje eu não sei se acredito nelas.
Pois toda crença precisa, ao meu modo de ver, passar por uma
linha que divide o olhar objetivo para a imaginação.
Como o nome mesmo diz, é uma crença.
Não estou negando nenhuma crença para o desconhecido.
Mesmo que tenha gente dizendo que conhece muito bem o
desconhecido. Essa pessoa conhece porque ela acredita em um sistema de crenças.
Mas não somos todos assim?
Não quero entrar nas questões de ciência x religião, crentes
x descrentes. Ao meu modo de entender acho que nós todos acreditamos em alguma
coisa. Eu acredito que estou aqui e
agora, acredito no amor, acredito que sou filho da Marilza e do Miguel.
Acredito também num futuro bom pra mim. Mas não tem como ter certeza, somente
acredito nisso. Isso pode ser chamado de fé? De esperança?
Pode ser que para entender o desconhecido é preciso usar a
imaginação, talvez seja um canal que une os dois lados.
Mas se for como distinguir o real do imaginário?
Pode ser que nem existam dois lados, que vida e morte faça
parte de uma coisa só. Mas isso sou eu usando minha imaginação.
Na minha cabeça humana tão limitada e cheia de imaginação
não consigo entender um monte de coisas simples do dia-a-dia. Muitas vezes não
entendo o que se passa comigo mesmo. Imagina então querer entender o
metafísico. Pensa!
Mas procuro me manter aberto, às vezes sou eu que não
entendo por ser teimoso, como se a verdade estivesse gritando na minha frente e
eu não dando ouvido. Pode ser que sou eu que não estou no mesmo "nível". Pode ser mesmo.
Mas ao mesmo tempo preciso ser muito sincero comigo mesmo.
Não quero enviesar nenhuma crença por comodismo meu.
Na duvida fica a duvida mesmo: como será na verdade?
Quanto à morte, não sei.
Deixo isso em aberto, sem conclusão.
Vou morrer num acidente de avião voltando pro Brasil,
atacado por babuínos raivosos ou velhinho na minha cama?
Vou pro céu depois, pra outro plano mais sutil, reencarnar
num besouro ou simplesmente parar de existir?
Espero ter tempo em vida para entender melhor essas coisas.
Agora sei que não quero viver uma vida de acordo com o que
vai me acontecer depois da dessa vida.
Quero viver essa vida de acordo com essa vida.
E essa vida tem me ensinado até agora que existem coisas que
não dá pra querer mudar. Umas delas é que a vida antecede a morte. Isso é uma
coisa que só é possível aceitar.
Assim como não é possível a gente mudar outra pessoa.
Não é possível a gente mudar o mundo.
A mudança do outro, a mudança do mundo começa com a mudança
em mim.
Mas eu continuo querendo um mundo melhor.
Onde todos são mais felizes.
Eu faço parte desse mundo também.
Eu junto com todas as coisas que vivem, que morrem e que se transformam.
Isso é uma crença minha?
Essa noite sonhei que chegava em casa e todos meus amigos me abraçavam!
Pra ser bem sincero não pensei muito sobre o que estou
prestes a escrever, mas senti de súbito uma vontade enorme de falar sobre o
amor.
Se olhar com um olhar rápido, meu primeiro amor deve ter
sido a Marcela do pré. Do externato São João.
Não espera! lembrei de uma menina que nem sei o nome. Da quermesse, da igreja que tinha perto do prédio que eu morava na rua Martelinho...
Nem sei quantos anos tinha...menos de cinco talvez.
Depois muitas menininhas abalaram
meu coração.
Mas hoje não estou com vontade de falar desse amor entre
homem e mulher.
Na verdade hoje não to vendo diferença entre as formas de
amor.
Entre uma pessoa que você encontra rapidamente na sua vida,
até as mais próximas, no fundo se trata de amor. Né?
Não quero entrar em comparações, não tem sentido comparar
amor...
Mas não dá pra esquecer, é claro, que mesmo sem dar importância quando
era criança, meus pais são as primeiras pessoas que amei de verdade. Minha mãe
e meu pai.
Que cuidaram de mim, quando eu era um neném prematuro e
sempre doente! Puta que o pariu eu dei trabalho demais pra esses dois! Catapora
que tem cicatrizes até hoje no meu pulmão...alergia a leite do peito, a leite
de vaca...só leite de soja...que muleque pra dar trabalho heim?
Nem vou listar agora tanto trabalho que dei pra esses dois.
Né Marilza? Né Miguel?
O fato é que sem o cuidado e o amor deles eu não
estaria bem aqui neste momento.
Mas tantas pessoas foram e continuam sendo tão
fundamentais...de fato não é uma questão de comparar.
O fato é que não estamos sós. Mesmo quando nos sentimos
sozinhos. Nós coexistimos com todas as coisas que existem e estamos ligados um
com o outro pra estarmos existindo nesse exato momento de agora.
Mas não quero falar sobre existência, quero falar sobre
amor.
Pois me lembrei de todas as pessoas que encontrei nessa
viagem, e percebi como cada uma delas fez manifestar um amor verdadeiro em mim.
Então me lembrei de uma porrada de pessoas que já encontrei nessa viagem da minha
vida e percebi como a lembrança deles faz borbulhar dentro de mim um amor
enorme.
Poder sentir isso, amor por cada pessoa que encontro, talvez
seja o maior barato de viver.
É claro que eu amo meus pais, minha família, meus amigos. É
claro que eu amo a Aninha, que tem o fator “cheirinho” inquestionavelmente a
seu favor.
Mas não se trata desse amor só. Que as vezes se confundi dentro de mim com outros sentimentos como o ciúme, posse, medo...comparações.
Quando o amor começa a se transformar de um amor pequeno
para um amor gigante ele deixa de ser limitado, e passa a ser infinito. Não é
amor daquela pessoa que eu quero só pra mim, é amor por todas as condições que me trazem pra esse exato momento. Amor pelo passado, pela natureza, pelo universo,
amor por cada momento, amor pela vida, amor pela morte, amor pelos altos e
pelos baixos.
Amor de verdade não é forçado, é natural e já tá existindo
mesmo antes da gente notá-lo.
Amor não é algo que a gente dá, pois ele nem pertence a nós em
primeiro lugar.
Amor não é tudo o que a gente precisa, pois a gente já tem
amor deste o momento em que nascemos.
Nós só pegamos essa mania de não reconhecer o amor em todas as
coisas do dia-a-dia, em todas as pessoas que encontramos. Nós pegamos essa
mania de algum lugar que não sei bem onde é! Mania de querer enquadrar o amor
num esquema pra só então poder chamá-lo de amor. Ou escolhendo pra quem vamos “dar”
nosso amor.
Amor de pais, amor de irmãos, amor de amigos, amor de
família, amor de filhos, amor de avós, amor de netos, amor de amantes... Mas paixão
não é amor, amor é algo mais... Quem disse? Quem está dizendo? Quem está
comparando? Quem? Quem está colocando um amor acima do outro? O amor que a
gente sente só a gente sabe, não é? Que amor a gente tá sentindo? Ele é pequeno
ou ele é grande?
Esta é a sua vida. Faça aquilo que você ama e faça com frequência. Se você não gosta de alguma coisa, mude. Se você não gosta do seu trabalho, se demita. Se você não tem tempo suficiente, pare de assistir TV. Se você está procurando pelo amor da sua vida, pare. Eles estarão te esperando quando você começar a fazer as coisas que ama. Pare para analisar, todas as emoções são maravilhosas. Quando comer aproveite até a ultima mordida. A vida é simples. Abra sua mente, braços e coração para novas coisas e pessoas. Nós estamos unidos em nossas diferenças. Pergunte a próxima pessoa que encontrar qual é a paixão dela, e divida seus sonhos e inspirações com ela. Viaje muito. Se perder vai te ajudar encontrar a você mesmo. Algumas oportunidades só vem uma vez, agarre-as. A vida é sobre as pessoas que você encontra, e as coisas que você cria com elas. Então vá e comece a criar. Viva seu sonho e divida sua paixão. A vida é curta.
Esse é um dos sentimentos mais fortes que fica pra mim
nestes meses aqui no Japão.
Não sei falar japonês, não entendo as palavras em japonês.
Ao me relacionar com as pessoas é difícil se comunicar com
as palavras.
O mesmo acontece com as vaquinhas, elas não falam o que
estão sentindo e não entendem as palavras que eu falo. Eu me peguei muitas vezes
sem saber em que língua falar com as vacas:
Oideeee!
Olha o leite!
Milk!
Pra pedir passagem:
Excuse me!
Sumimassen!
Dá
licença!
Um dia elas não estavam vindo comer e eu pensei em imitar
voz de mulher (pois quem cuida dos bezerros na maioria são mulheres)...então
gritei num falsete desafinado..”OIDEEEEEEE”!
Mas na verdade que diferença faz?
Com palavras, sem palavras...
Sem as palavras não tive problemas de entender o que
precisava ser feito, não tive problemas pra fazer junto, pra ouvir as pessoas e
as vaquinhas.
Acredito que fiquei mais sensível pra olhar melhor, ler os
detalhes e ter calma pra fazer esse processo de escutar. Sem palavras o foco
não dá pra ficar só no que acontece entre eu e as pessoas, ou no que estou
pensando enquanto escuto. Precisei ajustar o foco mais nas pessoas, ou nas vacas.
E procurar olhar bem, ouvir bem.
É como um ouvido que cresce no peito ou uma orelha no
coração. Como um abraço ou um aperto de mão. Entre "kokoros".
Tava olhando o face e vi a foto do Jota lá na preparação do
tokkou...
pancinha!!
Então fiquei me lembrando desses séculos de amizade.
Vixi meu irmão! Quanta coisa né?
Mas vou ser bem sintético, pois se puxo um fio, desenrola
toneladas de coisas dessa amizade.
Esse vídeo diz tudo.
Acho que nossa amizade sempre teve essa dinâmica. Sem
precisar falar muito, nem combinar, deste de criança um vai no vácuo do outro,
não pra competir, mas porque assim os dois pegam mais velocidade.
Quem tá frente protege o outro do vento, e na hora que
acelera, naturalmente passa a proteger, e assim vai sucessivamente!
Outro dia estava eu lá com as
vaquinhas. Fui espalhar as serragens para cobrir as partes molhadas e as
merdas. É justamente fazendo isso que os bezerros ficam mais agitados, dão
cabeçadas, correm, encaram e quando menos se espera vem um focinho curioso fuçando
no toba alheio.
Já estava tentando entender
porque eles ficam tão agitados nesta hora a algum tempo.
Mas sem sucesso algum continuei
tomando focinhadas no toba.
Então alguns dias atrás comecei
a prestar mais atenção em algumas coisas.
Eles são muito sensíveis ao meu
estado, então olhei pra mim e perguntei de boa, como eu to hoje? Percebi que
apesar de me sentir bem e achar que estava tudo certo, na hora que eu estava
jogando as serragens eu ficava muito preocupado em olhar pro chão e ver onde
precisava de serragem nova, como não queria tomar focinhada no rabo, tentava
passar despercebido ignorando os bezerros. Isso nunca funcionou. Passei a olhar
pra eles, prestar atenção neles. Percebi uma leve mudança só com isso, mas
ainda sim eles continuavam agitados, e acabou virando uma brincadeira de
“congela”, “to te olho em você”, “sai de trás”...
No outro dia continuei
pensando, “porque será que eles ficam tão agitados?”
E mesmo achando que está tudo
bem comigo (hoje to de boa), percebi que na verdade não gosto muito de fazer
esse “trabalho”, tem que ficar entrando e saindo do quarto pra buscar serragem
e é um saco! Percebi que enquanto estou fazendo isso já estou pensando em
quantos quartos faltam pra fazer, e quando procuro não pensar nisso e focar só
no quarto que estou fazendo e fazer sem pressa, percebo que pelo menos estou
pensando na pazada seguinte.
Então peguei uma caixa maior,
enchi de serragem e deixei perto da entrada do quarto. Experimentei fazer
desse jeito. Percebi que assim eu acalmava a ansiedade dentro de mim de ficar
pensando em terminar logo, e então fui me acalmando de verdade, deixei minha
respiração ficar mais lenta, meus movimentos lentos, e na minha intenção quis
fazer bem feito pros bezerros, levando o tempo que fosse necessário.
Ai eu comecei a curtir estar lá
fazendo isso. Prestei atenção neles, procurava encontrar o melhor caminho pra
caminhar entre eles. Antes eu tinha esquematizado uma ordem; entro por aqui,
jogo ali, ando por este sentido, jogo do fundo e vou vindo pra frente,
etc...e se um bezerro estivesse no caminho, ia pedindo licença, ou dando um
empurrão mesmo, pois eu queria ir por ali. Desta vez quis ficar mais aberto e
prestar atenção no que acontece em cada momento e tentar descobrir um jeito de
fazer na hora que a necessidade vem. Se um bezerro está no caminho, vou jogar
serragem em outra parte, ou contorno ele, mas na hora que precisa jogar ali,
ele pode sair também, não precisa ser nenhum escândalo.
Justamente neste dia eu tinha
que fazer dois galpões a mais do que geralmente faço, bem nos galpões mais
difíceis. Conforme fui fazendo assim, prestando atenção neles, em mim e
ir descobrindo momento a momento como fazer, percebi que nenhum bezerro tinha
se aproximado muito de mim, eles viam que eu estava ali e me deixavam caminhar
entre eles sem muita agitação, e a melhor parte é que não tinha tomando nenhuma
focinhada no toba.
Ai eu comecei a me
entusiasmar! E pensar que ainda faltavam dois galpões pra fazer...”será
que vou conseguir fazer tudo sem tomar focinhada?”
Mas logo que pensei isso
percebi que seu fosse dar corda pra esse pensamento eu ia me desviar do que
estava fazendo e tudo iria por água abaixo, quis me manter atento,
concentrado...ai num quarto veio um bezerro que começou a querer chegar mais perto,
começou me encarar, dar cabeçada...”não filho da puta, hoje tenho que ficar
na focinhada zero”então
outro movimento começou dentro de mim, comecei a ficar com raiva do abestado.
Então pensei “espera um
pouco Miguel, qual o sentido disso tudo?”...”você tá fazendo tudo isso pra se
sentir controlando?” porra mano é só uma focinhada no toba! É chato, mas não é
o fim do mundo, é natural o bezerro querer dar cabeçada...percebi que na
verdade eu comecei a pensar que queria encontrar a forma de entrar no quarto
dos bezerros sem agitá-los, queria ser especial o suficiente pra conseguir
fazer isso, e depois contar pra alguém..ou colocar no blog. Então lá estava eu
começando a fixar uma ideia novamente, começando a esquematizar
novamente.
Então continuei prestando
atenção nas coisas, mas desencanei de chegar ao resultado “toba zero”. Se
quiser dar cabeçada fazer o que? Tudo bem ué.
E fui fazendo assim...
Nos últimos quartos esse
pensamento voltou, pois sem me preocupar estava de fato conseguindo me manter
na “focinhada zero”, e estava muito gostoso, pois eles ficavam, na maioria das
vezes, deitadinhos e não ligava muito pra mim. E eu estava com sentimento bem
calmo e curtindo cada quarto, cada relaçãozinha que se estabelecia com cada
vaquinha...não queria perder isso...ai lembrei dessa coisa de comemorar nossos
feitos.
Isso acontece comigo quando,
por exemplo, estou aprendendo a tocar uma musica. Eu Ralo, ralo, ralo pra
entender as notas e tal...quando finalmente consigo tocar, fico tão feliz que
minha atenção se desvia e na vez seguinte não consigo tocar direito.
No teatro e nos jogos de
coordenação em grupo, isso também é bem freqüente, e acontece com todo mundo.
Exatamente na hora que a gente percebe que está conseguindo manter o jogo
coordenado é justamente a hora que exige mais atenção, pois o entusiasmo é
sempre tão forte, natural e gostoso que na hora que a gente dá bola pra ele um
segundinho a mais...erra o tempo..a bolinha cai, bate o bastão no pé..cai na
risada!
Igual esse goleiro que comemora
antes da hora.
A mente se dá por satisfeita, vai pra outro lugar que não é o momento presente.
Sei lá!
Então veio um entendimento bem interno do que é o equilíbrio.
Não foi intelectualmente, não foi de estudar e tal...
Foi quase sem querer, de observar a vida mesmo.
O equilíbrio em todos os sentidos.
Pra não cair, não desviar, não deixar de olhar, pra não ficar muito triste.
Que equilíbrio é esse? Equilíbrio de todo dia.
Epílogo
Mas tudo isso é como eu vejo e construo o sentido pra mim mesmo.
É como eu investigo a mim mesmo.
Na verdade como foi?
Agora na hora de escrever tudo fica mais distante de como foi a experiência. É meu pensamento analisando e construindo uma dramaturgia.
A Momoko me disse uma imagem bonita e fiquei pensando nela:
De que nós humanos, assim como as vaquinhas e tudo mais, somos como galhos de uma mesma árvore balançando no vento.
Então quando um bezerro vem e me dá cabeçada é como um galho dessa árvore que se moveu com o vento. É da natureza dele fazer isso. A maneira como a gente sente isso, interpreta etc...é o pensamento humano. Que também faz parte da natureza de ser humano. Mas é só o pensamento.
Undoukai, algo do tipo "encontro para movimentar o corpo". Todo outono em todas as escolas do Japão as pessoas se juntam para brincarem juntos e é claro movimentar o corpo. Hoje rolou undoukai aqui em Toyosato.
Foi muito divertido!
As crianças cheerleaders!! fofuxas!
A Na-chan manhosa....
Um dos momentos mais legais foi a corrida dos idosos para pegar pão sem usar as mãos.
E também as mães com seus pequenos!
E as crianças mais velhas também!
E assim foi a nossa manhã hoje, movimentando o corpo todos juntos! crianças, jovens, adultos e velhos!
Eu participei de todas as brincadeiras e "corri como um demônio"!
Depois durante o pic-nic, Fridolph veio e me disse isso...You run like a devil!
Foi muito divertido!
A Madoca está aqui com a gente hoje! toda madame e com barrigão!
Um monte de mulher e só eu de macho aqui! só eu não o Dan também! Eu, o Dan e a mulherada.
Madoka, Midori, Mira, Inês, Haruna e Aninha! curtindo o barrigão, a barriguinha, o neném e a coisinha xuxúca da Na-chan!
A gente procura um sentido para a vida somente quando o cotidiano perde sua graça e seu encanto
É uma queixa frequente: o mundo e a vida fazem pouco sentido -muito menos sentido do que antigamente, completam os saudosistas. Nas famílias, às vezes, essa queixa produz uma espécie de pingue-pongue. Os pais acham que os filhos adolescentes vivem por inércia, sem rumo e projeto: "Eles não estão a fim de nada que preste, não têm uma causa, uma visão de futuro". Os filhos, confrontados com essa preocupação dos pais, declaram que, se precisassem mesmo de um sentido para viver, certamente não é com os pais que eles o aprenderiam: "Mas qual sentido gostariam que eu escolhesse para minha vida, se a vida deles não tem nenhum?". Nesse diálogo, o sentido parece ser sempre o que falta na vida dos outros que criticamos. Também existem indivíduos (adolescentes e adultos) que se queixam da falta de sentido em sua própria vida: "Viver para quê? Todo o mundo vai morrer de qualquer jeito; que sentido tem?". Geralmente, ao procurar responder a essas constatações desconsoladas, amigos, parentes e terapeutas agem como os pais que mencionei antes: querem injetar uma causa, uma visão de futuro na vida de quem lhes parece ter perdido o rumo "necessário" para viver. Agora, eu não estou convencido de que, para viver, seja necessário que a vida tenha um sentido. Quando alguém se queixa de que sua vida é sem sentido, não tento interessá-lo em grandes razões para viver. Prefiro perguntar (para ele e para mim mesmo) de onde surge tamanha necessidade de um sentido. É curioso que, para alguns, a existência precise de uma justificação, de uma razão, de uma causa, de uma visão de futuro. Em regra, essa necessidade de justificar a vida se impõe quando a própria vida não se basta mais. Ou seja, é quando os gestos cotidianos perdem sua graça que surge a obrigação de fundamentar a vida por outra coisa do que ela mesma. Nota clínica: a depressão não é o mal de quem teria perdido (ou nunca achado) uma grande razão para viver. Depressão é ter perdido (ou nunca encontrado) o encanto do cotidiano. Por consequência, tentar "curar" a depressão de um adolescente propondo-lhe militância política ou fé religiosa é nocivo: se a gente conseguir capturá-lo num grande projeto, esse mesmo projeto o afastará ainda mais da trivialidade do dia a dia, cujo encanto ele perdeu. Resumindo, quando alguém se queixa de que a vida não tem sentido, o problema não é ajudá-lo a encontrar o tal sentido da vida, mas ajudá-lo a descobrir que a vida se justifica por si só, que ela pode ser seu próprio sentido. A cultura moderna poderia ser dividida em dois grandes blocos (que não coincidem com as tradicionais divisões de esquerda vs. direita etc.): os que pensam que o sentido da vida não está na própria experiência de viver (mas na espera de um além, num projeto histórico etc.), e os que pensam que a experiência de viver, por mais transitória que seja, é todo o sentido do qual precisamos (nota: a psicanálise, inesperadamente, está nesse segundo grupo, por constatar que a gente sofre mais frequente e gravemente pelo excesso do que pela falta de um sentido). Alguém dirá que, com o declínio das utopias políticas e algum avanço (talvez) do pensamento laico, o sentido da vida está em baixa. Em suma, eu estaria chutando um cachorro morto. Não concordo: talvez a própria crise das utopias e de algumas religiões instituídas esteja reavivando uma espiritualidade que tenta sacralizar o mundo, prometendo, no mínimo, sentidos ocultos. O esoterismo "new age" nos garante que a vida tem um sentido misterioso, que a gente nem precisa saber qual é. Melhor assim, não é? Acabo de ler um breve (e delicioso) ensaio do filósofo italiano Giorgio Agamben, "La Ragazza Indicibile" (a moça indizível, Electa, 2010). Agambem (retomando um ensaio de Jung e Kerényi, de 1941, sobre Koré, a moça sagrada -Perséfone na mitologia clássica) mostra que os mistérios de Eleusis (que são os grandes ascendentes do esoterismo ocidental) de fato não revelavam nenhum grande sentido escondido das coisas e da vida -a não ser talvez o sentido de uma risada diante do pouco sentido do mundo. Ele conclui com a ideia de que podemos e talvez devamos "viver a vida como uma iniciação. Mas uma iniciação ao quê? Não a uma doutrina, mas à própria vida e à sua ausência de mistério".
A Rita disse que nessa época do ano costuma
ser difícil pros bezerros, principalmente para os da idade que estou
cuidando. Pois o verão é muito quente, estressante e agora com a chegada do
outono e com a mudança brusca do tempo, eles ficam doentes.
Este bezerro estava demonstrando sinais de estar doente há alguns
dias, não estava comendo quando eu dava comida, nem se levantava. Eu já tinha falado
com o pessoal, então damos remédio.
Agora de manhã quando fui dar capim, ele tinha morrido.
Essa coisa de morrer é um negócio chato.
Sentei na frente dele por um tempo e fiquei olhando.
Pensei: "esse bezerro morto na minha frente e
o bezerro morto que estou olhando é a mesma coisa?"
A minha intenção era tentar olhar para minha forma de
olhar a morte.
Pensei que olhar para morte do bezerro seria mais simples que
olhar pra morte de uma pessoa que amo, ou mesmo para minha própria morte.
Eita negocio difícil.
Olhar para morte, só ela.
Ou o bezerro morto só ele.
Então veio muitas coisas na minha cabeça.
Normalmente nós começamos a lidar com morte quando alguém próximo
morre. No meu caso, a primeira morte próxima de mim que lembro foi do meu avô
Chico.
Eu tinha 6 anos na época e não entendi o que estava acontecendo,
vi que todo mundo na minha família ficou triste. Tinha gente chorando. Eu me
lembro do Michel (um amigo de infância que morava nos fundos da casa dos meus
avós) vir me perguntar se eu estava triste por que meu avó tinha morrido. Lembro-me
de não estar triste, mas achei que deveria dizer que estava, pois todos estavam
logo eu também deveria estar. Se choravam era porque gostavam do meu vô então deveria
mostrar que eu gostava dele também. Mas pra ser sincero não lembro se eu
gostava do meu avô quando tinha 6 anos. Eu era pequeno. Hoje eu gosto do meu
avô pelas lembranças que me contaram sobre ele, sobre a relação neto e avô que
minha avó contava e também que minha mãe contou. Mas eu mesmo tenho poucas
lembranças dele vivo. Lembro dele no sofá da sala e na cama já muito
doente.
Eu lembro que ganhei de "herança ou lembrança" o sino
que ele tocava pra chamar minha avó. Eu ficava brincando com o sino dele.
Era azul.
Depois do meu avô vieram tios meus. Se eu for olhar só para os
exemplos da família do lado da minha mãe.
Eu já tinha idade pra entender o que estava acontecendo.
Não fui ao enterro do meu tio Persílio, pois minha mãe achou
melhor não ir. (acho)
Lembro que foi uma manhã fria e chuvosa e a gente morava perto do
cemitério.
Eu me lembro de não ir à escola e ficar na cama quentinho
assistindo TV Colosso.
O tio Jairo eu não fui por que era adolescente e me revoltei
com essa coisa de morte.
“ele não está lá!”
“não tem sentido nenhum fazer velório!”
“não vou ver!”
Acho que falei esse tipo de coisa pra minha mãe sem me ligar que
se tratava do irmão dela.
Como o tio Jairo não era muito próximo de mim, não sabia como era
pra minha mãe. Quis entender as coisas só pelo meu ponto de vista.
Depois foi o tio Joaquim. Também não fui vê-lo.
Ano passado foi meu Tio Mário. Foi diferente, mais próximo e eu
mais velho também... Minha tia e minhas primas... Eita! Minha mãe estava super acompanhando...Eita!
Esse ano minha vó linda!
Eita nois!
É como se ela estivesse me ensinando sobre a morte devagarzinho.
Muitos anos doentinha.
Alzheimer.
Pouco a pouco esquecendo quem era a gente, esquecendo a falar...
Dois anos na cama. Devagarzinho ela me ensinou a ir deixando ela ir pouco a
pouco. Como se ela fosse dizendo bem devagar, “estou indo Ângelo”...
Depois sem ela dizer mais nada eu comecei a aceitar ela do jeito
que ela estava.
Toda vez que ia visitá-la eu dava a mão pra ela segurar e ela
segurava, eu olhava nos olhos dela e ela olhava de volta. Como se ela me
ensinasse a estar com ela assim. Não sei se ela me reconhecia (provavelmente
não), mas isso não significa gente não estava junto.
Tudo isso foi me ajudando a olhar para minha vida.
Como eu quero viver?
Que vida quero ter?
Isso foi umas das coisas que me fizeram decidir vir pro Japão.
Antes de vir fui me despedir de minha vó.
Era de fato a ultima vez que eu ia vê-la.
Ela me ensinou até isso.
A me despedir.
Eu disse que estava tudo bem.
Disse que estava vindo pro Japão e que ia ficar 5 meses fora.
Disse que estava tudo bem.
Que ela podia ficar tranqüila e relaxar.
Disse que eu a amava muito.
Então toquei viola pra ela, beijei ela no rosto muito longamente
(como sempre fazia deste criança), pedi a “bença” e fui embora.
Dois dias depois ela também foi.
Não fiquei triste desta vez.
Desta vez eu pude estar com minha mãe.
Fui ao velório e fiz tudo que podia fazer. Que era nada. Só estar
junto.
Eu não sei nada sobre a morte só ela.
Fiquei olhando o bezerro e não vi a “morte”.
Vi um animal sem vida.
A “morte” é como um personagem sem rosto que nós criamos.
Sei que é um fato que um dia não estarei mais vivo.
Mas a “morte” não sei o que é.
Como será?
Pensar nisso me dá Vontade de viver uma vida feliz.