sexta-feira, 29 de julho de 2011

Trabalho?

Logo estarei entrando na escola de kensan, ficarei duas semanas nesse intensivo curso sem contato com internet, fone etc...
Antes de entrar queria deixar algumas coisas que tenho pensado que poderiam ser temas legais pra pesquisar comigo mesmo.
Uma delas é sobre trabalho.
Antes de viajar procurei não criar grandes expectativas e vir aberto, mas uma coisa eu sabia: 
Eu ia trabalhar bastante!
Lembro de umas das minhas primeiras vilas que fiz, eu era criança e isso ficou marcado muito forte na minha mente.
A gente acordava cedo pra ensacar esterco de galinha. Eu era um dos mais novos dessa vez, costumava seguir os mais velhos, pois admirava-os e queria ser legal.
Lembro que era o Romeu e o Lúcio que cuidavam de nós.
Durante uma semana, toda manhã, a gente ensacava esterco e cada dia a gente queria aumentar a meta de sacos.
Do primeiro pro segundo dia nós aumentamos mais que o dobro do dia anterior, depois nos outros dias sempre fomos aumentando um pouco mais, lá pro final percebemos que se nós conseguíssemos nos empenhar de verdade e se fizéssemos juntos poderíamos fazer muito mais do que imaginávamos no primeiro dia. Então os garotos mais velhos resolveram botar um numero lá em cima! Lembro-me de achar impossível, era realmente um numero bem grande! Pra conseguir a gente bolou um plano, de se arrumar mais rápido, perder menos tempo no caminho, não escovar os dentes, deixar as roupas de trabalho lá em baixo perto do galinheiro etc...todas idéias nossas!
No dia D eu lembro que todos os meninos pularam da cama logo de manhã, saímos todos correndo de pijamas e gritando...tinha até uma atmosfera de exército! Era legal! Divertido!
Eu lembro que conseguimos a meta, talvez um pouco mais até.
Eu não sei se de fato foi assim, mas na minha lembrança ficou registrado com esse sentimento.
Sei que foi nesse dia que eu entendi pra mim mesmo o que era “dar o máximo de mim”.
Esse dia ficou como uma referência de atitude e de sentimento por trás de quando eu “dou o máximo de mim”.
Até hoje uso esse dia como uma "régua". 
Uma régua que sei que só uma régua abstrata, imprecisa pra medir meus sentimentos. Mas serve pra me dizer se estou ou não dando o máximo de mim.
Eu lembro que nessa época isso me ajudou numa porção de coisas, passei a estudar melhor na escola, por exemplo, e também comecei a ter coragem pra fazer teatro.
Antes eu me sentia pequeno, tímido, sem força, o mais novo, o magrelo, o feio, o desengonçado, o minhoca.
É claro que não foi só esse fato que causou tanta mudança, mas eu me lembro desse dia como um dia importante pra mim.
Com o passar do tempo fui percebendo que dar o máximo não é só ensacando esterco, fazendo esportes, estudando, trabalhando, era uma questão de vida a todo o momento, que se estende aos relacionamentos e também comigo mesmo, é como se eu não pudesse mais mentir pra mim mesmo. Não descaradamente pelo menos.
Fui percebendo também meus limites. Quando tive crises de pânico e estresse por trabalhar de mais, passei a tomar cuidado pra não confundir "dar o máximo de mim" com obsessão.
Este ano, mesmo antes de começar a viajar, trabalhando na construção dos aviários no jikketi do Brasil, e depois trabalhando no jikkenti da Suíça, percebi que o trabalho não é na mesma intensidade de que me recordava daquele dia em que ensacamos esterco na infância. O trabalho nunca atropela as pessoas, ele não vem antes.
Na Suíça, o pessoal está sempre trabalhando, todos os dias, de segunda a segunda. E eu tão acostumado com finais de semana comecei a me cansar.
Eu fiquei olhando e pensando: “Será que eles não cansam? Eles estão gostando mesmo? Será que tem tantas coisas para serem feitas? Quando eles tiram tempo pra eles mesmos? Será que eles são felizes?”
Eu percebi que quando comecei a ficar cansado eu comecei a trabalhar com sentimento de obrigação! Fazer o serviço logo pra acabar logo, não vendo a hora de terminar, querendo mostrar eficiência, será que tem fazer isso a vida toda?....Eu não estou gostando.

No ultimo dia nós fizemos uma reunião pra falar como tinha sido nosso tempo lá.
Eu coloquei todas essas coisas.
Lembro de umas coisas bem legais que foram faladas.
Primeiro a Antje disse que percebeu que enquanto eu falava não estava fazendo juízo das coisas que eu tinha vivido, colocando como isso é ruim e isso é bom. Que estava simplesmente dizendo como tinha sido pra mim.
A Agnes depois contou que naquela noite Dário (filho da Renate ) tinha perguntado o que ela tinha feito durante o dia, ela disse que ficou trabalhando com os vegetais o dia todo.
"mas vc faz isso todos os dias?"
"sim!"
"??? e gosta?"
"sim eu gosto"
Ela disse que para ela é importante encontrar algo no "trabalho" que faça com que seja prazeroso. Que ela realmente pode fazer isso a vida toda.
Foi como eu entendi.
Cristoph falou a respeito de ter fim de semana ou não, que ele não vê o trabalho como trabalho, é tempo da vida acontecendo, então não é preciso ter final de semana pra ter tempo pra si, todo tempo é tempo pra si.
Foi como entendi.
Eu também acompanhei o André durante um tour de vendas, eu achei entediante, mas ele faz isso todos os dias e nos dias que estive lá ele sempre estava de bom humor, cantando como tenor.

Isso tudo me faz pensar.
Lembrei de um diretor francês de teatro chamado Alexandre del Perugia, em uma palestra alguém perguntou a ele sobre seu trabalho, ele respondeu: " eu não trabalho há 10 anos!"
Na hora eu pensei é claro que você não considera que está trabalhando, você faz o que gosta, realizou o sonho de ter um espaço invejável no sul da frança, deve ter estabilidade financeira, toda hora te chamam pra dar workshops ao redor do mundo...realizou o sonho...conquistou tal coisa. 
Foi como pensei na época.
Eu pensei que para ter o luxo de não considerar seu trabalho como trabalho, era preciso conquistar nome, estabilidade, reconhecimento, experiências, títulos como mestrado e doutorado.
Não sou contra nada disso e não nego nada disso para mim.
Mas vendo as pessoas no Yamagishi, no dia a dia, vivendo com esse sentimento, me faz pensar se é uma questão de conquistar algo ou de simplesmente "fazer amizade" com cada coisa que estamos fazendo.
Hoje vou trabalhar com legumes, então faço amizade com "trabalhar com legumes".
Sei que parece simplório e mesmo infantil colocar desse jeito. Mas não tem outro jeito que consigo colocar que fique mais próximo de como entendo.
Tenho a maior sorte do mundo de ter os amigos que tenho então de amizade eu acho que entendo. Pra mim, fazer amizade com algo é buscar em mim o mesmo sentimento que tenho com meus melhores amigos. 
É no vetor de abrir, de abraçar.
Então me lembro da vila de novo, "fazer amizade com tudo e com todos", "experimentar gostosamente com o coração aberto". Isto tudo está adquirindo um sentido novo pra mim agora.
A frase parece simples, mas tê-la em seu coração e vivê-la na prática é imensamente profundo.
Bom, este me parece um tema pra começar...

"Gambatê!"

quinta-feira, 28 de julho de 2011

chegamos no Japão finalmente!!

Oi amigos!
Eu e a Aninha finalmente chegamos no Nihon!!
Mas miguelito, Por que finalmente?
Pq? eu te digo porque meu querido...
A minha vontade de vir pro Japão data de tempos inadatáveis!
As vezes penso que vivi no japão em alguma outra vida, se essa coisa de outras vidas existir.
Ou se foi assistindo Jaspion quando criança, vendo ninjas, samurais e depois tendo contato com a cultura japonesa de diferentes formas, no Yamaghishi, no teatro, visitando o japão rapidamente à 3 anos atrás...enfim essa sucessão de acontecimentos que faz com que eu esteja aqui hoje.
O fato é que eu tenho predisposição a gostar do que se refere ao Japão.
Demorou pra eu tomar a decisão, sempre fui deixando o sonho pra depois, depois de me formar, depois de fazer tal peça, depois de fazer tal trabalho, depois de resolver o relacionamento, depois que tiver dinheiro...
Depois de deixar pra depois ainda teve pequenos atrasos...
Visto, passaporte, passagem, hospedagem, dinheiro, visto, visto de novo, papelada, burocracia, visto, cônsul  consulado, visto, despachante, visto....ok! tudo certo!
Terremoto, tsunami, desastre nuclear, Fukoshima...respira...visto de novo, consulado, dinheiro, passagem, dinheiro, papelada, burocracia...ok tudo certo novamente. Mas primeiro vamos pra Europa...tudo de bom!
Essa ultima etapa pra chegar aqui foi cansativa.
Pegamos voo de Zurique para Londres, 2 horas de espera, Londres para Tóquio, 7 horas de espera, Tóquio para Nagoya, Nagoya barco para Tsu, Tsu carro para Toysato!

Bom, agora estamos aqui!
Obrigado a todas as pessoas que nos ajudaram em toda essa jornada!
Foram muitas pessoas que realmente foram pontos-chave.
Nossa família, nossos pais, amigos, Adms, Zero zero, Alam, Inês, Marceline, Romeu todos do Yamaghishi no brasil, Jane, filha da Jane, consulado, Miki, Paulo Atencia, Nakamoto-san, Yamagishi do japão, yamagishi da Suiça, André, Agnes, Fumie....nossa e vai galera...Kaj e Déia...realmente muitos! todos importantes mesmo.


A primeira impressão é que o Jikkenti daqui é enorme! e já foi maior! NUSSASENHORA!
O ofurô é MEUSDEUSQUEDELICIA! a comida é VOUFICARGORDODETÃOBOMGODISOSAMA!
E as pessoas muito gentis, quem nos recebeu foi Kondoh-san, ele fala muito bem inglês e isso é OH!MYGODAINDABEM!
Mas já to pegando firme e estudando japonês, andando com caderninho e dicionário.
hoje uma senhora veio falar comigo e eu entendi um pouco.
" Anata wa dare des ka?
- Watashi wa Migueru-san des!
Anata no kuni wa doko des ka?
- watashi no kuni Brasil des.
ah so! sugoi!
-hai, hai, so des né!
depois o negócio complicou e eu NUMENTENDIPORRANENHUMA!
"hjifjjivjdkskn435t5t5nfdejhifif843sifdjefnewchdire8 des ka?
-wakarimassen.
mimica....brincamos de imagem e ação.
e eu entendi que ela queria tirar uma foto minha pra colocar na internet, num espaço compartilhado de todo jikkenti.
...eu acho!
....ela tirou a foto...
....eu fiz pose!
.....ela foi embora...
Tudo bem eu sai bem na foto!

hoje está chovendo, acabei de tirar essa foto!
até mais!
dewa mata!




terça-feira, 12 de julho de 2011

Correr atrás...

Ontem me lembrei de um sentimento que era muito recorrente quando eu estava em cena.
Correr atrás da cena...
Uma vez estava voltando de uma apresentação do “Qioguem?!” Conversando com o Murilo.
Ele disse que aquela noite durante a apresentação ele tinha sentido como se o tempo todo ele estivesse “correndo atrás da cena”. Essa imagem caiu como uma luva.
Pra mim é como se a gente não estivesse no lugar certo, é como se a cena estivesse a poucos centímetros de nós, mas por mais que nós nos esforcemos não conseguimos alcançá-la.
Outra vez me lembro também do Vinicius dizendo num ensaio do “Morte e Vida Severina”, que ele sentia que em cena existe um tempo certo, que se você for capaz de escutar e reconhecer esse tempo, é mais simples pulsar junto dele.
Lembrando disso eu penso que talvez eles estivessem falando da mesma coisa.
Uma imagem vai pelo espaço, outra pelo tempo, mas ambas querendo estar no lugar certo.
Eu me lembrei disso, pois tenho o costume de fazer paralelos entre as minhas experiências no teatro com a vida. Para mim uma é reflexo da outra, o funcionamento de ambas são misteriosas, por mais que nos esforcemos em buscar entender nunca conseguimos encontrar a explicação definitiva e no fim depois de tanto pesquisar, de tanto prestar atenção tudo se resume em se funciona ou não.
Tem cena que funciona, tem cena que não, tem cena que funciona uma vez e depois nunca mais, e a gente fica querendo reviver aquele momento tão especial, mas não consegue.

Nos últimos anos atuando profissionalmente percebi que era mais tranqüilo buscar não fixar nesses sentimentos, e aceitar a cena como se aceita a vida. Ela é efêmera, não é possível reter o tempo, nem fixar-se no espaço, cada momento é especial em si, nós julgando que “funcionou” ou não. Isso me lembra outra coisa, não somos nós, os atores, as entidades especiais, mas sim o momento e a forma como decidimos vive-lo ou atuá-lo.
A vida e o teatro... parece que entendendo melhor um entendo melhor o outro.
E tudo parece ficar mais justo quando realmente estamos no momento presente.
A vontade de correr atrás deixa de existir e nós simplesmente "surfamos", vamos junto, deixamos acontecer.
Aqui na Suíça tenho tido momentos de vislumbres onde me dou conta do que está acontecendo, coisas do tipo: agora está sendo a primeira vez que dobro um pacote de farinha. Então presto atenção em mim fazendo isso e todo o sentimento que vem junto e que sempre existe quando fazemos algo pela primeira vez. Mesmo sendo uma coisa simples e pequena, nela contém uma porção do sentimento que todas as outras coisas da vida.
Outros momentos também, como caminhar no fim da tarde depois de trabalhar o dia todo, depois te tomar banho de ofuro, indo para meu quarto vendo o por do sol.
Momentos de puro carpe diem.
Agora quase consigo ouvir os diretores que me dirigiram e eu mesmo quando fui diretor pedindo aos atores: faça essa ação como se fosse a primeira vez.” Mas na prática como fazer isso?
Sempre tive a sensação de estar “correndo atrás” da vida, como corro atrás da cena que funciona. Com preocupações do tipo: tenho que realizar isso, construir aquilo, ganhar tanto, ser alguém...sempre algo que está lá, que está lá, que muda toda a forma de eu estar aqui.
“Talvez ser um bom ator seja ser ator nenhum!”
Me disse Fridolf outro dia enquanto conversávamos e ele me perguntava sobre minha profissão.
Fiquei pensando no que ele quis disser...
“As pessoas sempre estão atuando na vida delas e não se dão conta de quem realmente são!”
Disse ele outra vez em tom de velhinho sábio tomando sorvete.
Fiquei pensando nisso por dias, até que me perguntei: como será a visão dele de um ator?
A maioria das pessoas vê o ator como um profissional cuja arte é dissimular, fingir, enganar...
Não sei se é assim que Fridolf vê, mas eu vejo o ator como uma pessoa cuja arte é ser verdadeiro, cuja arte exige estar presente e atento a si.
Atuar é ser atuante, estar com a ação e estar na ação.
Nesse sentido ser um bom ator é ser ator o tempo todo na vida.
Mas não sei...
Acho que estamos falando a mesma coisa.

terça-feira, 5 de julho de 2011

Há Metafísica Bastante em Não Pensar em Nada

http://poesiasalbertocaeiro.blogspot.com/2007/09/h-metafsica-bastante-em-no-pensar-em.html

by Caieiro (Fernando Pessoa)


O que penso eu do mundo?
Sei lá o que penso do mundo!
Se eu adoecesse pensaria nisso.


Que idéia tenho eu das cousas?
Que opinião tenho sobre as causas e os efeitos?
Que tenho eu meditado sobre Deus e a alma
E sobre a criação do Mundo?


Não sei. Para mim pensar nisso é fechar os olhos
E não pensar. É correr as cortinas
Da minha janela (mas ela não tem cortinas).


O mistério das cousas? Sei lá o que é mistério!
O único mistério é haver quem pense no mistério.
Quem está ao sol e fecha os olhos,
Começa a não saber o que é o sol
E a pensar muitas cousas cheias de calor.
Mas abre os olhos e vê o sol,
E já não pode pensar em nada,
Porque a luz do sol vale mais que os pensamentos
De todos os filósofos e de todos os poetas.
A luz do sol não sabe o que faz
E por isso não erra e é comum e boa.


Metafísica? Que metafísica têm aquelas árvores?
A de serem verdes e copadas e de terem ramos
E a de dar fruto na sua hora, o que não nos faz pensar,
A nós, que não sabemos dar por elas.
Mas que melhor metafísica que a delas,
Que é a de não saber para que vivem
Nem saber que o não sabem?


"Constituição íntima das cousas"...
"Sentido íntimo do Universo"...
Tudo isto é falso, tudo isto não quer dizer nada.
É incrível que se possa pensar em cousas dessas.
É como pensar em razões e fins
Quando o começo da manhã está raiando, e pelos lados das árvores
Um vago ouro lustroso vai perdendo a escuridão.


Pensar no sentido íntimo das cousas
É acrescentado, como pensar na saúde
Ou levar um copo à água das fontes.


O único sentido íntimo das cousas
É elas não terem sentido íntimo nenhum.
Não acredito em Deus porque nunca o vi.
Se ele quisesse que eu acreditasse nele,
Sem dúvida que viria falar comigo
E entraria pela minha porta dentro
Dizendo-me, Aqui estou!


(Isto é talvez ridículo aos ouvidos
De quem, por não saber o que é olhar para as cousas,
Não compreende quem fala delas
Com o modo de falar que reparar para elas ensina.)


Mas se Deus é as flores e as árvores
E os montes e sol e o luar,
Então acredito nele,
Então acredito nele a toda a hora,
E a minha vida é toda uma oração e uma missa,
E uma comunhão com os olhos e pelos ouvidos.


Mas se Deus é as árvores e as flores
E os montes e o luar e o sol,
Para que lhe chamo eu Deus?
Chamo-lhe flores e árvores e montes e sol e luar;
Porque, se ele se fez, para eu o ver,
Sol e luar e flores e árvores e montes,
Se ele me aparece como sendo árvores e montes
E luar e sol e flores,
É que ele quer que eu o conheça
Como árvores e montes e flores e luar e sol.


E por isso eu obedeço-lhe,
(Que mais sei eu de Deus que Deus de si próprio?).
Obedeço-lhe a viver, espontaneamente,
Como quem abre os olhos e vê,
E chamo-lhe luar e sol e flores e árvores e montes,
E amo-o sem pensar nele,
E penso-o vendo e ouvindo,
E ando com ele a toda a hora